Tag: laboratórios

  • retomadas: ciências terranas & tecnopoliticas & fabulações

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    Conversações Febris – 13 de agosto, quinta-feira, as 19hs – LINK pra SALA.

    Passadas algumas semanas de nosso ultimo encontro, queremos retomar a conversa para organizarmos um novo ciclo de atividades da Zona de Contagio a partir de agosto. As agendas já estão sendo engolidas pelo trabalho e demandas da vida. Urge sinalizar alguns horizontes de confluências pra que possamos abrir espaço para novos encontros.

    Seguindo a disponibilidade inicial, pensamos em manter as quintas-feiras (19hs `as 21hs) como um momento de encontro para a realização de atividades e produções coletivas (conversações febris, entrevistas; produção audiovisual, podcast, leituras e estudos coletivos etc). Um período reservado para respirarmos juntos, trocarmos experiências e também experimentarmos outras linguagens na criação e produção de conhecimento. 

    Seguiremos investigando as questões que emergiram e que ganharam consistência em nosso percurso do semestre anterior; tramando nas encruzilhadas entre as ciências dos dispositivos e as ciências das retomadas. Nossa investigação também implica numa meta-investigação sobre as formas de pesquisa e coprodução de conhecimentos [uma síntese do percurso pode ser consultada aqui]

    A Zona de Contágio pode se fazer como um experimento (um protótipo) de uma de rede de pesquisa entre as muitas experiências com que estamos implicadas; uma zona de confluência temporária entre as investigações e fazeres com que cada um aqui esta envolvido. Imaginar, inventar, conectar outros fazeres (ensino, pesquisa e extensão),  modos de produção de conhecimento, ciências e tecnologias, alianças entre espaços educacionais formais e não formais, experimentações de linguagens, transbordamentos e produções contra-disciplinares.

    Se os regimes hegemônicos de produção de conhecimento, ciência e tecnológica e a configurações atuais de suas instituições (universidades e escolas) são parte do problema que hoje enfrentamos (crise ambiental, covid-19, as muitas formas de reprodução do colonialismo, racismo e desigualdades); quais seriam então os desenhos possíveis de outros modos de conhecer (e suas instituições) que apontem para rotas de fuga do capitaloceno e das formas renovadas de dominação e exploração? Que tipo de conhecimento somos capazes de produzir na contramão do \”realismo político\” e das novas estratégias de controle? Onde aterrissar?

    Para o próximo encontro (13 de agosto – 19hs) sugerimos uma experimentação especulativa na abertura de novos possíveis: Conversações Febris – 13 de agosto, quinta-feira, as 19hs – LINK pra SALA

    *O que pode ser uma universidade terrana no tempo das catástrofes?

    *O que pode ser uma aula?

    Até lá receberemos materiais audiovisuais, textos, fotografias, audios que possam contribuir para inaugurar esse novo ciclo de conversas. Os materiais podem ser publicados diretamente como comentários neste post ou enviados para o email conspire [arroba] tramadora.net

    Os CEOS das grandes corporações de TI nos dizem hoje que a sala de aula “perdeu o sentido” e que as relações educacionais podem ser muito mais eficientes quando inteiramente mediadas pelas plataformas digitais, já que trata-se de produzir e fazer movimentar o “capital humano”. Edufactory cibernética, a redução de formas de conhecimento em “produção e gestão de conteúdo”. No entanto, desejamos fazer outras perguntas, contar outras histórias. É preciso abrir uma conversa epocal sobre o que significa uma aula, quais os sentidos da presença no que se refere à produção de conhecimento e da ciência e os sentidos fortes da experiência e do encontro que atravessam as formas de criação e de conhecimento – para além das disputas pelas grandes Verdades. Qual é o papel da universidade e dos espaços de educação informal como zonas de sinérgicas de pensamento-luta, diante da corrosão absoluta dos sentidos democráticos que vivemos hoje? Como podemos nos apropriar de outras tecnicidades que intensifiquem a experiência ao invés de neutralizá-las?

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    Sugerimos dois textos de inspiração para essa conversação febril:

    TORNAR-SE SELVAGEM, Texto de Jerá Guarani

    ONDE ATERRAR? Texto de Bruno Latour

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    Para participar e acompanhar a Zona de Contagio:

    Egroup: labcom-subscribe@lists.riseup.net

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  • ReSpirar: uma ciência dos contagiosamente vivos

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    Conversações Febris – 04 de junho de 2020 – 19hs.

    Mais um grupo de zap lotado de mensagens não lidas, outra página no facebook pra seguir, caixa de emails com 987 msgs não lidas, notificação de reunião agendada, duas lives imperdíveis no mesmo horário, recomendação de leitura enviada no grupo do trabalho, panela de pressão apitando, o meme sem graça enviado pelo colega, ninguém comentou a mensagem da convocatória do sindicato, celular sem espaço na memória, apagar rapidamente 2573 fotos, filha pede socorro pra entrar na sala virtual com a professora, impossivel abril o powerpoint enviado pelo chefe com as tarefas da semana. Nos solicitam para curtir, compartilhar, subir uma hashtag, assinar mais uma petição, ter uma opinião sobre a última polêmica, estar disponível, entrar em um novo grupo, nos mobilizar. Mais um jovem negro morto pela polícia, outra medida de precarização dos direitos aprovada pelo governo sem qualquer protesto, hoje 1048 mortos em decorrência do covid-19, uma reunião ministerial que nos faz entrever com assombro a transparência do funcionamento do poder.

    Tudo na mesma tela, na mesma superfície, no mesmo ambiente, a mesma topografia, com a mesma velocidade.

    \”Não posso respirar!\”
    A circulação da imagem de George Floyd, como um contra-feitiço, disparou uma onda inesperada de revolta nos EUA. Os corpos pretos são sensores de um mundo que não pode mais se sustentar, enunciam os caminhos de uma ciência de retomada e nos revelam a verdade da guerra em curso. \”Não posso respirar\” também contém as formas do possível, as imaginações de liberdade produzidas pela revolta contra os comandos do provável.
    Contagiosamente vivos.

    Saturação, esgotamento, asfixia. O que significa poder respirar?


    Neste momento, desejamos experimentar e investigar entre todxs uma dobra intensiva no percurso de habitar uma forma coletiva de pesquisa diante dessas muitas impossibilidades do encontro. Como, nessa condição de isolamento e de crescente mediação tecnológica, fabricar e sustentar novas alianças, inteligência e ação coletiva? Quais características (linguagens, sensibilidades, infraestruturas) devem estar presentes para sustentar uma conversação que é também um modo de conhecer?

    Foi preciso aguardar alguns dias após nosso último encontro para enviar uma nova mensagem. Criar um breve silêncio, desaturar, fazer vazar, deixar o corpo vibrar um pouco mais com as palavras, as mensagens, a revolta e todos os acontecimentos da semana.

    Como Laboratório de experimentação (ontoepistêmica e política) a Zona de Contágio vai adquirindo novos adensamentos e nos interpela sobre como seguir a investigação. Realizamos 3 encontros virtuais, criamos zonas de confluência entre linhas de investigação (ciência dos dispositivos e ciência de retomadas), compartilhamos produções, literaturas e começamos a estabelecer um vocabulário e sentidos compartilhados. Neste percurso um pequeno coletivo de pessoas, afetadas por questões intensificadas pelo acontecimento Covid-19 começou a fabricar novas alianças. Um \”laboratório do comum\” é inseparável da comunidade política transitória que emerge em torno de problemas comuns e das estratégias de luta que esses problemas provocam:

    1) Regimes de conhecimento (as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas, corpos como sensores);
    2) Regimes de poder que atualizam formas de controle; Biopoder-Biopolítica, dispositivos (novas formas de mobilização e desempenho, tecnologias de gênero e racializadoras/racistas, a relação entre a casa, o corpo, o prazer e a produção);
    3) Regimes tecnopolíticos e tecnoestéticos (a complexidade tecnosomática; dataficação, algoritmização da vida e novos modos de extração e trabalho; alteração nos modos de associação, desejos e individuações tecnomediadas);
    4) Transição societal e os limites do capitaloceno/plantationoceno/antropoceno (terra e o mundo vivo, relação entre viventes; extrativismo ampliado e formas cosmopolíticas de luta).

    Essas dimensões dão forma a um amplo programa de investigação que atravessa de diferentes formas as motivações e desejos dos praticantes do Laboratório Zona de Contágio. Com a experiência desta breve trajetória, sentimos que o momento nos convida a uma nova dobra que contribua para intensificarmos as conversações entre nós. Isso nos leva, imediatamente, a pensar sobre as próprias condições exigidas para essa investigação: um problema relativo ao desenho do laboratório.

    Em diversos espaços da vida, o isolamento físico e a crescente mediação das tecnologias de comunicação digital, radicalizaram uma mutação em curso. Há uma crise generalizada das formas de representação: nas dinâmicas de produção do real e verdadeiro; nas instituições das democracias representativas. Seja no âmbito no trabalho, em nossos coletivos políticos, nos espaços de ação institucional e familiar, sentimos um esgotamento da capacidade de produzir conhecimentos coletivos e sentidos compartilhados sobre o que nos passa e nos acontece. A própria arquitetura dos ambientes digitais nos agencia a emitir continuamente mais uma explicação, mais uma opinião, mais uma tomada de posição. Conversações implicadas, cumplicidades do pensamento e conspirações são mais raras. Estamos saturados de informações que produzem impotência, infelicidade e desorganização, bloqueiam a possibilidade da experiência, de sermos afetados pelo mundo.

    Com uma Ciência de retomada, deslocamo-nos do representacionismo para uma política experimental. A Zona de Contágio nasce nessa encruzilhada que não separa o modo de conhecer dos modos de existência que desejamos fazer prosperar. Um laboratório é também um lugar onde se fabricam coisas. No primeiro encontro esboçamos o problema de um possível protótipo: um dispositivo de pesquisa coletiva, um arranjo para uma conversação em tempos de pandemia, como sustentar e fazer reverberar uma prática? Como produzir um encontro entre corpos e pensamentos, desejos, intuições diante de um terreno esgotado, cansado e de poros obstruídos? Como produzir espaços para o ritmo, o contra-tempo em um mundo cada vez mais cibertecnomediado?

    Este meta-problema de investigação (desenho do laboratório) é um problema análogo àquele vivido em diferentes espaços da vida social (nos coletivos de trabalhadores, nas organizações sociais, em grupos ativistas etc). A crise de presença e a erosão das formas de vida em comum que agora sentimos de maneira radical é apenas um sintoma mais agudo do um modo de vida neoliberal que já vivíamos.

    Assim, imaginamos que uma boa maneira de experimentarmos a construção deste protótipo seria pensarmos sobre quais são as perguntas que nos implicam com aquele conjunto de problemas enunciados acima em 4 grandes eixos. Pensar sobre novas perguntas que nos interessam é também realizar uma cartografia-investigativa do Comum entre nós. Um percurso de investigação situada em nossa experiência contemporânea tecnomediada pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre as condições de emergência de novas subjetivações políticas e novas individuações coletivas, a começar pela própria Zona de Contágio.

    Próximo encontro: Conversações Febris – 04 de junho de 2020 – 19hs.

    Para esse ciclo sugerimos alguns textos inspiradores

    Partilhas sensíveis e essenciais em tempos pandêmicos [ou quando poderemos novamente ir ao teatro sem medo?], de Marina Guzzo: https://n-1edicoes.org/062

    “Voltar a nos entediar é a última aventura possível”: Amador Fernadez-Savater entrevista Franco Berardi, Bifo: https://vaporaovento.blogspot.com/2018/10/voltar-nos-entediar-e-ultima-aventura.html

    Economia psíquica dos algoritmos e laboratório de plataforma: mercado, ciência e modulação do comportamento. Fernanda Glória Bruno, Anna Carolina Franco Bentes, Paulo Faltay (PDF)
    http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/download/33095/19357

    O direito universal à respiração de Achille Mbembe: https://n-1edicoes.org/020

  • Tempo, Silêncios, ritmos em pandemia [Video]

    Vídeo da segunda conversação-investigativa e febril que conta com muita coisa bonita já produzida entre nós. Silêncios, contra-tempo, respiros coreográficos, todo um ritmo que soubemos inventar na esquiva algorítmica.

  • Elogio à potência cognitiva dos Cuidados

    Por Antonio Lafuente*, do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CSIC), Madri | Tradução de Simone Paz Hernández

    Publicado no Outras Palavras

    O coronavírus tem nos ensinado muitas coisas — algumas delas, vamos demorar para esquecer. Porém, poucas foram tão inesperadas como a aproximação entre a cultura crítica e a cultura dos cuidados. Pareciam pertencer a planetas diferentes: uma, ligada à busca de certeza, metodologias conflitantes e gestos públicos; a outra, vizinha da dor, inclinada pelo tácito e reclusa no âmbito privado. Ambas, muito seguras de sua importância, mas muito diferentes em seus reconhecimentos. Para o espírito crítico, sempre existiu um posto de honra entre os inteligentes, os poderosos, os administradores. Os críticos possuem a chave que abre as portas do mundo, desde a empresa e a academia, até o conselho ou comitê. Ser crítico é uma qualidade característica dos que conseguem enxergar além das aparências, dos que sabem ler as entrelinhas e dos que não se deixam levar pelo refrão. Quem não é crítico está sujeito a ser doutrinado, manipulado e menosprezado.

    Nosso mundo sempre reservou lugares especiais para a crítica. O espírito crítico nos protege dos farsantes, dos malandros e dos vigaristas. E, como nunca faltam aqueles que querem tirar proveito de nossa ingenuidade, desconhecimento ou incapacidade, fazemos bem em confiar na nobreza daqueles que se dispõem por nós a depurar as ideias, comparar informações e destrinchar propostas. Os debates públicos nos são apresentados muitas vezes como um duelo de espadachins, como um exercício de virtuosismo retórico, como uma amostra do dandismo entre “filhos de alguém”, tão inúteis quando desprezíveis. Isso não tem nada a ver com a crítica, está mais para um produto da vaidade pretensiosa: um embuste entre bobos. Já a crítica, é necessária e urgente. Uma das ferramentas mais valiosasas de que dispomos para navegar entre as tormentas ou para nos guiar entre as brumas. Sem ela, não existiria a civilização.

    Os cuidados transitam em outro tipo de abundâncias invisíveis. Eles têm a ver com todas as práticas que levam à reparação ou à manutenção da vida. Possuem relação com o que há de mais simples e comum: dar comida, fornecer aconchego, produzir bem-estar, manter a conversa, ouvir o incabível ou inusitado, oferecer esmero, sentir o futuro, experimentar com os outros, fazer coisas juntos, desfrutar as nuances, acompanhar processos e criar espaços seguros. No mundo, não há nada mais abundante do que a dor, o desconsolo, o desabamento. Nada é mais necessário do que oferecer confiança, paz ou tempo. Seja para descobrir suas (novas) vulnerabilidades, seja ao se encontrar (novamente) estagnado, o que você vai querer por perto não é um cérebro privilegiado capaz de performar uma capacidade de análise impecável. Nesses momentos, precisamos de outro tipo de talento: o de alguém que saiba se colocar em sua situação, em seu lugar, conter a ansiedade de aconselhar, ficar em silêncio, saber ouvir, deixar fluir e acompanhar, enquanto, aos poucos, você se reencontra com a vida que merece ou a resposta que procura.

    Não quero dizer que os que pensam não cuidam, nem que os que cuidam não pensam. Isso seria uma simplificação inaceitável e ofensiva. Todos nós podemos passear pelos dois mundos. Podemos utilizar a crítica para reparar aquilo que ouvimos e fazê-lo crescer. Podemos renunciar a usar nossas habilidades para ganhar vantagem e competir melhor. Nada nos obriga a querer sempre ganhar. Não é necessário demonstrar que estamos por cima dos outros, nem temos que tratar nossos adversários como inimigos, traidores ou estúpidos. Na crítica, pode existir um quê de sadismo. É normal que exista, e que toda vez que numa conversa alguém cite um especialista, um fato ou uma prova, para nos dar um soco e calar a boca. Esses críticos são pessoas perigosas das quais é bom se proteger, porque costumam ser implacáveis.

    A ciência é um dos terrenos da crítica. Não é o único, nem o mais visível. Os que se gabam de ser críticos são aquelas pessoas da literatura, das artes, das ciências humanas e também, portanto, das ciências sociais. O que eles chamam de “espírito crítico” é muitas vezes percebido como arrogância banal. E é por isso que nós desconfiamos dessa forma de nos desenganarem, que, do outro lado do espelho, é percebida como uma maneira de nos deixar nus. Justamente o oposto daquilo que esperávamos: alguém que nos ajudasse a encontrar as roupas para não nos deixar na intempérie. Abandonados ao acaso, novamente, sem redenção.

    A cultura do cuidado não é só compaixão. Precisamos dela, também, para criar outros mundos possíveis e dar espaço às diferentes práticas cognitivas de que precisamos aprender a apreciar. Se o crítico é quem vê mais e melhor, quem cuida possui como ferramenta fundamental de trabalho o tato. Se a simbologia reservou para os inteligentes a figura da coruja, do livro e dos óculos de armação grossa, aqueles que cuidam são representados como pessoas que acariciam com os olhos, com os gestos e com as mãos. As mãos alcançam lugares que os olhos nem conseguem imaginar. O tato é a chave que abre a porta que nos permite imaginar outros mundos possíveis, baseados em cumplicidade, empatia e vulnerabilidade. Nos cuidados, explora-se sem propósitos e sem condicionantes, se avança entre suspeitas e desconfianças, até chegarmos ao lugar onde experimentaremos a companhia como uma bênção. Ou uma epifania.

    Se a visão gera a distância entre o sujeito e o objeto, o tato mistura esses dois mundos. A visão cria outros espaços, enquanto o tato inventa a complexidade. Tudo fica interligado e se torna próximo, entrelaçado. A visão quer fazer do mundo um objeto, enquanto o tato torna mundano o objeto. Mundano quer dizer comum, cotidiano, semelhante. Quiçá, também, barato, jovial e compartilhado.

    A crise do coronavírus aproximou esses dois mundos para nos ajudar a entendê-los melhor, para descobrirmos que ambos são imprescindíveis e que os dois são deste planeta. Que ambos pertencem ao âmbito público e são duas potências cognitivas que deveriam parar de brigar e se unir num longo abraço. Sim, isso mesmo: um abraço em tempos de coronavírus pode parecer uma transgressão, mas não é, não, não se trata de uma pegadinha: esperamos muito desse atrito, pois não nos conformamos com apenas sobreviver — que é o que nos prometem os cientistas e seus porta-vozes. Não nos conformamos com apenas continuar vivos, pois queremos imaginar mundos mais ousados. A pandemia demonstrou que, em termos cognitivos, é imprescindível que se estruturem adequadamente três epistemes que se destacam: o mundo dos dados, dos modelos de previsão e da inteligência artificial; o mundo da virologia, da epidemiologia, das vacinas e do laboratório; e, por último, mas não menos importante, os territórios da clínica, dos profissionais da saúde e das práticas de cuidados.

    Curar corpos nos forçou a cuidar de mundos. De repente, descobrimos que inconsistências estatísticas, causadas por uma coleta de dados ruim, poderiam levar a medidas que nos ameaçariam a todos. Dados não são números, mas coisas que precisam ser produzidas do mesmo jeito que são produzidas as bolas de sinuca: se elas não possuírem as características necessárias, não funcionam, não servem pra nada, não deslizam corretamente e não transmitem os efeitos esperados. Os dados precisam ser interoperáveis. Você precisa projetá-los com precisão, coletá-los com cuidado e transmiti-los a tempo. Podemos ter os melhores matemáticos, construindo os modelos mais sofisticados, porém, fazendo propostas mal-sucedidas porque os coletores de dados se desentenderam ou ficaram desmotivados ou deprimidos. Porque eles pararam de se projetar em seu trabalho com amor e orgulho. Não estavam atentos o suficiente para detectar algo suspeito, uma variação imprópria, um viés inesperado ou, finalmente, uma prática inconsistente. Talvez ninguém os fez acreditar na importância do que estavam fazendo. Talvez eles tenham se cansado de ser invisíveis, ou talvez se convenceram de que eram seres descartáveis, secundários ou irrelevantes.

    Fazer vacinas ou, em termos mais gerais, projetar e realizar experimentos não é uma tarefa mecânica. Quem faz experimentos precisa improvisar o tempo todo — ou seja, precisa enfrentar um montão de imprevistos que exigem habilidades que não são ensinadas nos livros, mas que, entretanto, foram aprendidas com os colegas. Experimentar é uma atividade que possui muitas semelhanças com o trabalho dos artesãos. Todos os cientistas experimentais são uma espécie de faz-tudo, pessoas que sabem consertar coisas, que encontram soluções: são próprios bricoleurs. Ou, em outras palavras, pessoas que conseguem trabalhar sem um manual de instruções, e que, principalmente, tornaram-se muito tolerantes à incerteza. Sabem andar às cegas, guiando-se pelas paredes para não bater e mantendo-se conectados a tudo o que acontece para poder ser sensíveis às pequenas diferenças, às nuances esquecidas ou aos tons imperceptíveis. 

    Não é ficar observando o seu objeto, mas sim estar abertos a se deixar afetar por qualquer sinal que vier de seu universo ou do ambiente que os cerca para decidir, em tempo real, se essa coisa, ainda não identificada, possui algum significado ou contém alguma mensagem. A relação que os cientistas mantêm com seus objetos, aquilo que não deixa de interpelá-los e que não conseguem parar de olhar, é muito menos objetiva, distante ou abstrata do que nos contaram. É uma relação muito menos crítica do que afetiva, e tem muito mais a ver com as virtudes de quem cuida de alguém ou de algo, do que com os estereótipos de quem observa, aponta e dispara — quero dizer, com as qualidades de um bom crítico.

    Ao falarmos da clínica tudo parece mais fácil, porque pouquíssimas pessoas já visitaram um laboratório na vida e a maioria nunca ouviu falar da nova profissão de curador de dados. Mas todos ou já cuidamos, ou já fomos cuidados. Entretanto, reside nessa simplicidade a maior dificuldade — porque corremos o risco de psicologizar os cuidados e de transformá-los em habilidades mentais livres de materialidade. Não será preciso insistir, agora, na importância das máscaras, dos testes, dos termômetros, dos sabonetes, da história clínica e dos aplausos. A maior parte do trabalho possui maior relação com gerir espaços, decidir dosagens, administrar alimentos, conhecer lamentos, identificar sinais, comparar respostas, contrastar experiências, aprender de erros, retificar protocolos, pular algumas normas, enfim: improvisar, corrigir, deixar-se afetar, escutar — tudo isso sem um manual.

    Cada quarto de hospital carrega um universo: todos os dias são percorridos todos os climas: o dos bacanas, o dos espertos, o dos exigentes, o dos egoístas, o dos intrigantes, o dos desconfiados, o dos pessimistas, o dos amorosos… todos os universos cabem num só dia. Não é preciso viajar, basta mudar de quarto. Existe um forte desgaste emocional, cuja origem varia. A televisão, sempre apressada e sempre resumindo e generalizando, fala do impacto que a dor do ambiente causa aos profissionais da saúde. É verdade, mas não se resume a isso: essa é só a parte mais midiática. Há muito mais. Existe a vontade de aprender, o desejo de entender, a necessidade de corrigir e a obrigação de curar; tudo isso, ao mesmo tempo e de forma rápida, representa um esforço de intelecção cansativo e infinito, porque os corpos são todos diferentes e o que vale para um pode ser contraproducente para outro.

    Assim funciona o saber experiencial: está nos corpos e não nos livros. Pode-se aprender, mas não numa aula. É um saber contrastado, eficiente, tácito e imprescindível. A clínica é a interface entre esses dois mundos, que com tanta frequência negam-se a chegar a um entendimento: o mundo da crítica e o mundo dos cuidados. É tanto uma interface como uma fronteira que precisamos aprender a contrabandear todo dia. Nessa fronteira, somos todos iguais, não há regras claras, não há normas específicas — e nem podem existir. Esse é o interesse das fronteiras que servem para experimentarmos outros mundos possíveis e necessários. Nas fronteiras, há sempre conflitos que, quando são de curto prazo, resolvemos com astúcia, dando um jeito; mas, se pensarmos em formas de convivência relativamente estáveis, precisaremos das ferramentas da diplomacia.

    Às vezes, não precisamos de uma demonstração, e sim de uma conversa. Os diplomatas sabem disso melhor do que ninguém, como costumam saber aqueles que fazem parte do mundo dos cuidados. O diplomata compreende que não pode convencer seu interlocutor. E, portanto, precisa renunciar às ferramentas da crítica e admitir que a solução não vai ser imposta por um exercício de depuração de dados, de citação de fontes ou de ampliação dos fatos comprobatórios. Entre os diplomatas, a conversa tem a finalidade de encontrar um relato, um acordo, um espaço de convivência mais complexo que o anterior, onde caibam igualmente os dois pontos de vista, mesmo quando enfrentados. A questão é evitar a guerra, e reiniciar a convivência. E é disso que precisamos agora: uma negociação que torne possível não só a convivência de epistemes. Os mundos dos dados, dos fatos e das experiências precisam um do outro e têm de aprender a conviver sem se censurarem. Nenhum deles é mais coerente ou necessário do que os outros.

    Atualmente, fala-se muito em abrir a ciência. Mas não ficou claro o que queremos dizer com isso. Evidentemente, abrir a ciência significa abrir os conteúdos e os dados: dar acesso ao conhecimento disponível, mais ainda quando a maior parte dele é produzida com dinheiro público. Também parece lógico que as infraestruturas que suportam e fazem com que esses dados se tornem operacionais deveriam estar nas mãos dos próprios cientistas, o que equivale a reivindicar soberania para os hardwares e softwares que suportam todo o acervo da ciência aberta. Se a prática da ciência depende de decisões políticas arquitetadas em comitês que definem prioridades, destinam recursos, validam méritos e constroem reputações, parece imprescindível que, também, todas essas operações tenham muita transparência e disponibilização. Tudo isso já foi dito e está na agenda de muitas organizações nacionais e internacionais, não é novidade. Tomara que o coronavírus acelere esses processos em curso.

    Além disso, porém, abrir a ciência requer abrir suas ontologias. Não tem a ver apenas com transformar as práticas para que sejam mais operativas, ou, em outras palavras, os “como”, as epistemes. Temos de aprender a escutar aqueles que falam desde outras formas de se aproximar da realidade. É evidente que o respeito às metodologias acreditadas continua de pé. Ninguém aqui falou em fazer tábula rasa. Pelo contrário: os tempos de coronavírus exigem que nenhum conhecimento seja desperdiçado e que demos a todos eles a visibilidade e o mérito que merecem e que precisamos. Cuidar é uma forma de conhecer, envolve outra maneira de se aproximar dos problemas e de encontrar respostas adaptadas para eles. Envolve mobilizar saberes tácitos e afetivos: saberes que, consequentemente, não podem ser codificados. Saberes que não podem ser desvinculados e que são estreitamente ligados às circunstâncias concretas nas quais foram gerados. São saberes dos quais a Modernidade nos ensinou (e até forçou) a desconfiar. Saberes que desde Descartes consideramos contaminados pelas emoções, pelos preconceitos, pelos contextos, ideologias e fragilidades dos corpos envolvidos, já que nem sempre eles enxergam bem, estão atentos ou com as faculdades plenas.

    O conhecimento experiencial era desprezado pela sua alta contaminação por todo tipo de aderência local, corporal e cultural. Não foi sequer considerado um ativo a valorizar. Temos museus de etnografia, onde as realidades locais são mostradas como parte de um exotismo turistificável — e, agora, identitário. Justamente o oposto do que consideramos necessário por aqui. Nos interessa o comum e interdisciplinar, como forma de conhecimentos opositores — e não como curiosidades excêntricas e arbitrárias. Não são fruto do capricho, são consequência de uma adaptação secular. O fato de terem sido desvalorizadas fala muito sobre a nossa insensibilidade e, assim, da nossa facilidade em desprezar aquilo que ignoramos. O fato de serem não-codificáveis, tácitos, quer dizer que estamos frente a um saberes que não podem ser coisificados, alienados e mercantilizados. Mas isso não significa que sejam inúteis. Talvez por isso a imensa maioria das pessoas que trabalham com enfermagem e serviços sociais são mulheres. Nada a ver com falta de talento, mas sim com utilizá-lo em outras coisas. As quais, como sabemos, às vezes são as mais importantes. Mas nossa intenção não era fazer uma competição entre a cultura crítica e a cultura dos cuidados, e sim tentar suscitar uma conversa, mais ontológica do que epistêmica, que abrisse o mundo do conhecimento a novas perguntas, diversas soluções e novas formas de convivência. Não é que a gente precise de menos ciência, mas de mais atores: abrir a ciência a conversas difíceis, porém, urgentes. O coronavírus nos pede também uma cura de humildade.


    *Antonio Lafuente
    Físico, pesquisador do Centro de Ciências Humanas e Sociais do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, na área de estudos da ciência. Seu interesse pela relação entre tecnologia, patrimônio e bens comuns desembocou nos laboratórios cidadãos, na inovação social e na cultura do prototipado.

  • Lab_ Zona de Contágio

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    Laroiê!

    salve o mensageiro!

    \”Nós, que pensamos em “ideologia”, somos vulneráveis. Nós não possuímos os saberes pertinentes para identificar e compreender os dispositivos de captura e de produção de impotência. Ora, lá onde se pensa que os feiticeiros existem, aprende-se a reconhecê-los, a diagnosticar seus procedimentos, a se proteger deles, e ainda a contra-atacar\” (I.Stengers). 

    Zona de Contágio é um laboratório situado, prática coletiva de uma ciência do contato implicada em habitar a pandemia COVID-19 como um acontecimento: \”um acontecimento está no interior da existência e das estratégias que o perpassam\”. Ele surge como uma plataforma de convergência entre pesquisadorxs-ativistas cujo trabalho de investigação viu-se forçado a pensar com a intrusão viral. Uma encruzilhada.

    O vírus é a entidade estrangeira que fala pelo nosso corpo, através dele, de sua vulnerabilidade e estupidez. Fala que nossas noções de “política” e de “progresso” ou “civilização” são débeis, inócuas. Faz com que sintamos a febre da Gaia Criatura como resposta imunológica às simplificações ecológicas e biológicas produzidas pelos modos extrativistas que seguem fazendo deserto sem nome do “crescimento econômico”, “desenvolvimento”; que seguem produzindo muros, cercas, desejo de segurança e separação. 

    O medo da contaminação como forma de governo das vidas sempre foi a principal bio-tecnologia colonial,  atualizada pelos regimes autoritários modernos. Tecnologias de vigilância são convocadas ao controle epidemológico; pessoas tomadas por um desejo de segurança profilática passam a “denunciar” outras pessoas que precisam fazer qualquer coisa na rua porque, às vezes, não se tem muitas opções. Outras começam a professar o “Estado Forte” como forma de contenção – como se não nos bastasse a força do que já temos. Fala-se em “Guerra”, mas é importante responder: queremos a restituição da vida em sua possibilidade erótica, não somos os seus soldados!

    Estamos na encruzilhada Hobbes x Espinosa; o Estado e a hipótese do Comum!  O momento em que desejamos que o Estado tome medidas de exceção de controle populacional em nome da segurança sanitária, é o momento em que renunciamos à nossa potência de cuidado da saúde coletiva. Seremos capazes de construir alternativas com nossa inteligência coletiva? Como ativar o Comum, a potência de produção da saúde entre todos, promovendo vínculos solidários de cuidado coletivo? Como infraestruturar as estratégias, dispositivos, tecnologias, diferenças, práticas e conhecimentos que possam dar lugar a essas formas de vida?

    A natureza do poder se modificou de tal forma que hoje confunde-se com a própria vida. Está na paisagem da cidade e suas infraestruturas, nas centenas de dispositivos que conduzem nossa atenção, localização, nas catracas, na produção dos desejos e das frustrações; nas centenas de outros dispositivos que nos conduzem à novas formas de desempenho; novas formas de concorrência.

    Os arranjos sociotécnicos ao mesmo tempo vigiam e controlam toda possibilidade de fuga com outros inúmeros dispositivos de neutralização preventiva. A algoritmização da vida bloqueia qualquer possibilidade de imprevisto, de acontecimento e abertura. O poder se organiza de forma imanente à vida e sua expressão de exterioridade é apenas uma expressão performativa e mais visível dele – ainda que nos pareça mais confortável imaginar que o Poder está lá, sentado em uma cadeira. \”Uma perspectiva revolucionária já não tem a  ver com a reorganização institucional da sociedade, mas com a configuração técnica dos mundos\”. Na metrópole, assinala o Conselho Noturno (2019), o que encaramos não é mais o velho poder que dá ordens, o poder que localiza-se desde uma exterioridade, mas uma forma de poder que logrou constituir-se como a ordem mesmo desse mundo. \”A metrópole é o simulacro territorial efetivo de um mapa sem relação com nenhum território\”

    Diante da crise de presença alimentada por inúmeros dispositivos de produção de corpos neoliberalizados, Zona de Contágio convida ao diálogo praticantes que desejam tensionar as modernas e habituais fronteiras entre ciência e política; entre corpos e pensamento. Assumir nossa debilidade existencial como ponto de partida para pensar os deslocamentos do político. Pensar a nossa crise de presença como condição epocal seria também investigar os diversos dispositivos que a produzem, mas, por outro lado, experimentar como reativar “uma maior atenção ao devir da presença dos entes” no mundo vivo; retomar nossa capacidade de “co-pertencimento e co-produção a cada situação vivida”; encontros. Ciência de contato. Saber qual território habitamos, qual é a terra que pisamos quando falamos \”cidade\”, quais as relações que a constituem, quais são os saberes desautorizados, os saberes sujeitados, os saberes das lutas que desejamos convocar? Uma ciência objetora de tudo que nos envenenou: produtividade, crescimento, competição, originalidade. Uma ciência de combate que acontece entre corpos e suas diferenças.

    Com o acontecimento COVID-19, o Laboratório Zona de Contágio instaura-se como um dispositivo de pesquisa e intervenção na medida em que a produção coletiva de conhecimento sobre as atuais possibilidades de fabricação de uma vida não-fascista torna-se urgente. Se o fortalecimento de governos autoritários já era uma ameaça à vida comum, a intrusão viral potencializa a disseminação de uma cultura imunitária e securitária de contornos fascistas no tecido da própria vida social.

    A crise é maior, é total. Ela nos faz pensar muito concretamente sobre que vida estamos vivendo, qual vida queremos viver  – o vírus, como intruso, fabrica uma das maiores bifurcações da história: a vida tomada como forma securitizada, protegida, entretida, mobilizada para destruir “inimigos”; mas do outro lado, a vida em seu excesso, como forma erótica de habitar o mundo que não queremos perder; uma vida febril que sabe que a liberdade é também interdependência, risco, confusão, travessias. Exu.

  • Investig(ações) insurgentes: corpos-sensores por uma política experimental da presença

    Ciclo \”Habitar as Fronteiras\” no Centro de Pesquisa e Formação do SESC-SP. Dias 7 e 14 de abril de 2020.

    Diante da debilidade existencial intensificada por inúmeros dispositivos de produção de uma vida neoliberal, os encontros convidam ao diálogo pesquisadorxs-praticantes que tencionam as habituais fronteiras entre ciência e luta, vida e política. Assumir a nossa crise da presença como condição de uma vulnerabilidade compartilhada para investigar os diversos dispositivos que a produzem, mas também experimentar como reativar \”uma maior atenção ao devir da presença dos entes\” no mundo vivo; retomar nossa capacidade de \”co-pertencimento e co-produção a cada situação vivida\”.

    Partimos de experiências investigativas em que saberes e práticas de lutas emergem de corpos como sensores; formas de vida que sentem, percebem e enunciam, a partir de sua singularidade os diversos dispositivos de erosão do mundo Comum. São também essas experiências que resistem e inventam formas de vida não proprietárias, não securitárias e que intuem que é o movimento de abertura ao acontecimento o que pode sustentar práticas coletivas de insistência na vida como interdependência: tecnologias de aquilombamento, retomadas indígenas, ocupações, as experiências de travessia do corpo-trans, tecnologias de cuidado, territórios do comum e saberes ancestrais/tradicionais, laboratórios cidadãos.

    07/04, terça-feira, das 19h00 às 21h30 – Encontro com Bru Pereira – antropóloga e educadora, mestre em Ciências Sociais pela UNIFESP; Edson Teles – professor de filosofia na UNIFESP; Maria Fernanda Novo – doutora em filosofia pela UNICAMP. Mediação de Jean Tible – professor de Ciência Política (FFLCH/USP).

    14/04 (terça-feira), das 19h00 às 21h30 – Oficina com Alana Moraes – antropóloga, doutoranda pela UFRJ e Henrique Parra – professor de Ciências Sociais da UNIFESP. Pesquisadores do Pimentalab/LAVITS e do coletivo Tramadora.

    Oficina: ao adotar a gestão de crise como técnica de governo, o capital não se limitou apenas a substituir o culto ao progresso pela chantagem da catástrofe, ele quis reservar para si a inteligência estratégica do presente\” (C.I). A oficina é um convite para habitar por um pouco mais de tempo os problemas comuns que nos obrigam a pensar juntos. Inspirados na ideia de um \”parlamento de corpos\” queremos retomar a inteligência compartilhada e a potência da situação presente. O parlamento emergente de corpos afetados se instaura a partir de formas de conhecer que possam transformar (narrar/inventar/mediar) a experiencia de um corpo-sensor em um conhecimento de luta coletiva dos corpos vivos, que nada tem a ver com a produção de maiorias ou consensos. A oficina convida os participantes a investigar o problema da crise da presença diante da crescente mediação técnica da vida social e as consequentes alterações do regime de sensibilidade que sustentam ou destroem um mundo comum. Diante da multiplicidade de dispositivos tecnológicos que fazem da vida uma sequencia prevista de condutas, procedimentos e desempenhos funcionais, praticamos uma atenção àquilo que o corpo não aguenta mais, como ponto de partida da construção de formas de vida não fascistas.

    ***

    corpo-como-sensor é uma proposição ético-política da vida em sua ontologia corpórea extremamente vulnerável, um terreno de travessias e cruzamentos no qual a representação dá lugar à experimentação, à variação e ao risco dos encontros. Em há um mundo por vir? (2015), Viveiros de Castro e Débora Danowski se perguntam quem seria o demos de Gaia, “o povo que se sente reunido e convocado por essa entidade, e quem é seu inimigo” (2015:120). Para os autores, não se trata mais de buscarmos um “sujeito revolucionário”, mas seguir uma etnopolítica que suspenda a própria noção de \”sujeito capaz de agir como um só povo\”.

    Diante da crise de presença alimentada por inúmeros dispositivos de produção de uma vida neoliberal, o seminário convida ao diálogo praticantes que tensionam as habituais fronteiras entre ciência e política, entre natureza e cultura. Nesse sentido, pensar a nossa crise de presença como condição epocal seria também investigar os diversos dispositivos que a produzem, mas, por outro lado, experimentar como reativar \”uma maior atenção ao devir da presença dos entes\” no mundo vivo; retomar nossa capacidade de \”co-pertencimento e co-produção a cada situação vivida\”. Partimos de investigações em que saberes e práticas emergem de corpos-como-sensores; formas de vida que sentem, percebem e enunciam, a partir de sua singularidade os diversos dispositivos de erosão do mundo Comum. São também essas experiências que resistem e inventam formas de vida não proprietárias, não securitárias, experiências que intuem que é o movimento de abertura e composição com o acontecimento de encontros o que pode sustentar práticas de insistência na vida em interdependência: tecnologias de aquilombamento, retomadas indígenas, ocupações, as experiências de travessia do corpo-trans, tecnologias de cuidado, territórios do comum e saberes ancestrais/tradicionais, laboratórios cidadãos.

    Habitar uma política do sintoma que não nos permite \”interpretar\” tendo em vista um lugar seguro do diagnóstico que contorne ou neutralize o mal-estar.. Nessa condição de precariedade de um mundo sem refúgio, a invenção de linguagens, sentidos compartilhados, infraestruturas e tecnologias de suporte à essas formas de vida é inseparável de uma prática experimental de composições de alianças e arranjos sociotécnicos que dão forma a outras individuações coletivas, a emergentes comunidades de afetados. Trata-se de escapar dos imperativos de resultado e impacto, reino da estratégia e da eficiência tecnocrática, para habitarmos um terreno de experimentações de composições sempre situadas, que funcionem como caixas de ressonância de formas de vida não-fascista.

  • Experimentações em Pesquisa-Luta

    fonte: post da Alana no FB:

    \”Nos momentos de neblina, o pensamento precisa saber criar novas formas. Formas capazes de produzir outros modos de enxergar; criar territórios existenciais atravessados pelo pensamento-luta, pelas lutas que fazem funcionar existências dissidentes e profundamente relacionais, corpóreas, atentas. Pensamento implicado. Não existem atalhos no caminho, estamos obrigados à experimentar.

    \"\"

  • Ciência Cidadã, Laboratórios Cidadãos e Produção do Comum

    Henrique Zoqui Martins Parra
    Mariano Fressoli
    Antonio Lafuente

     

    O dossiê Ciência Cidadã e Laboratórios Cidadãos logrou reunir um conjunto expressivo de artigos, resultando numa instigante caracterização desse campo de práticas. Além da diversidade de origem geográfica (Europa, África, América Latina e do Norte), os autores e autoras possuem inserções que transitam entre universidades, organizações comunitárias e não governamentais, movimentos sociais e coletivos ativistas. Interessante destacar que a maior parte dos trabalhos recebidos nesta chamada é de relatos de experiências empíricas empreendidas pelos próprios autores. Os artigos de análise teórica, por sua vez, realizam problematizações mais amplas acerca dos desafios acumulados sobre essa diversidade de experiências em diferentes contextos. A combinação desse esforço de análise teórica e descrição de experiências reforça a percepção de que estamos diante de um fenômeno heterogêneo, dinâmico e com efeitos ainda pouco conhecidos.

    Essa multiplicidade de práticas e de espaços alternativos de produção de conhecimento recompõe as fronteiras e as identidades entre cientistas experts e os diversos públicos, mas também entre o laboratório acadêmico e o laboratório cidadão. As tecnologias de informação e comunicação digital, com sua presença ubíqua em diferentes domínios da vida social, as interseções entre a cultura hacker, a cultura científica e as novas formas de ativismo, compõem essa paisagem. Tais mutações não podem ser dissociadas das transformações e intensa crise pela qual os sistemas de representação política em diversos países estão passando. Nesse sentido, as noções de “ciência cidadã” e “laboratórios cidadãos” criam novas tensões e composições entre a ciência e a política: amplia-se o campo das práticas e espaços estabelecidos de produção de conhecimento científico; ao mesmo tempo em que se interrogam as formas de participação política.

    TEXTO INTEGRAL

    e aqui também: PDF.