Tag: experiência

  • Inventar brechas, saturar os controles: educação, crise da presença e imaginações tecnopolíticas

    Conversações Febris #5 – 18 de junho às 19hs

    Link para transmissão:

    para participar da sala de videoconf escreva para conspire [arroba] tramadora.net

    \”Governar o comportamento de pessoas ou máquinas exige mecanismos de controle que assegurem a ordem, contrapondo a tendência à desorganização. A chave do governo (“conduzir a conduta”) é a informação. A informação é estatística por natureza e se organiza segundo as regras da probabilidade. Conhecer os padrões de conduta do presente nos permitirá predizer e guiar as ações futuras. A informação (já não o interesse) é a “linfa vital” da ordem cibernética. Portanto, a Hipótese Cibernética já não confia na racionalidade do indivíduo (muito imperfeito, limitado, ignorante de si mesmo), nem tampouco na tendência ao equilíbrio do conjunto (e sim, o contrário), senão que trabalha na construção deliberada e consciente de um novo entorno socia: um sistema-rede de nós transparentes, em conexão e desconexão permanente, organizado em torno da gestão ótima da informação. O capitalismo cibernético. O pesadelo\” (Amador Fernández-Savater – O pesadelo de um mundo em rede).

    Quase três meses de confinamento – para alguns. Nesse pouco tempo, já vivemos uma reconfiguração tecnopolítica expressiva de nossas vidas. A expansão do teletrabalho, suas arquiteturas, disposições e ambientes atuam agora pelo regime TINA: there is no alternative. O teletrabalho nos exige provas de eficiência e sacrifício em longas jornadas como se tivéssemos que compensar o fato de que finalmente podemos ficar em casa. Estamos vendo agora, por muitos dispositivos, novas formas de medir, qualificar, avaliar – uma nova cidadania do desempenho que também é uma cidadania policial e gerencial: todos vigiam, todos denunciam, todos avaliam os “serviços” e dão sua nota, todos participam e se sentem convocados em “fazer sua parte”.

    Rapidamente as plataformas corporativas de ensino vão conformando um novo debate sobre a relação entre ensino e aprendizagem, sobre distância, conectividade, novas imagens de aprendizado, dispositivos de metrificação, organização e gestão do trabalho, avaliação e produção relacionados ao ensino. Os debates em torno das tecnologias de ensino à distância reforçam a ideia de que teremos que nos adaptar ao novo regime sociotécnico mais \”eficiente\”, mais correto e que eliminaria os desperdícios – sem dar a devida atenção para o fato de que agora chamam de desperdício o que costumávamos chamar de experiência. Os CEOS das grandes corporações de TI nos dizem que a sala de aula \”perdeu o sentido\” e que as relações educacionais podem ser muito mais eficientes dessa forma já que trata-se de produzir e fazer movimentar o \”capital humano\”. Edufactory cibernética, a redução de formas de conhecimento em \”produção e gestão de conteúdo\”.

    Estamos atordoados diante da nossa brutal incapacidade coletiva de pensar alternativas sociotécnicas que possibilitem autonomia, radicalização democrática ou uma forma de experiência que não seja a do desempenho, das muitas formas de avaliação, certificação, controle e modulação existencial. E essa paralisia é também uma crise de presença diante das novas urgências. Estamos diante de uma escolha infernal: aderir ou recusar.

    No entanto, desejamos fazer outras perguntas. É preciso abrir uma conversa epocal sobre o que significa uma aula, quais os sentidos da presença no que se refere à produção de conhecimento e os sentidos fortes da experiência que atravessam as formas de criação e de conhecimento. Qual é o papel da universidade e dos espaços de educação formal, como espaços de encontros de pensamento-luta, diante da corrosão absoluta dos sentidos democráticos que vivemos hoje? Essa corrosão se produz desde um entrelaçamento entre os novíssimos modos de extração neoliberal-cibernético com formas muito antigas de racismo neocolonial. Muito da arquitetura tecnoalgorítmica de vigilância, comando, controle, mas também de desempenho e de eficiência tem a ver com esse entrelaçamento.

    Como redesenhar a pesquisa, o ensino universitário e escolar para uma lógica da conjunção? Que arranjos acadêmicos, investigativos, pedagógicos e de convívio poderiam ativar uma fratura que permita “pular os muros” da lógica proprietária do conhecimento, mas cair longe deles? Como manter, por algo despertado na quarentena, nossa capacidade de decifrar os signos segundo o desejo, liberando espaço para a vibração do desejo-pesquisa, desejo-educação, desejo-arte, desejo-luta?

    Contra-pedagogias da encruzilhada: Não uma recusa técnica, mas uma tecnopolítica que sustente formas de existência não-fascistas, não-binárias, emaranhadas. Como pensar a corrosão democrática a partir da aposta na disputa dos regimes de conhecimento – as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas que possam reconfigurar nossas arquiteturas e espaços de conhecimento?

    Como escapar das escolhas infernais?

    Para essa #5 Conversações Febris, dia 18 de junho as 19hs, sugerimos também algumas leituras pra inspirar essa conversa.

    Link para transmissão:

    para participar da sala de videoconf escreva para conspire [arroba] tramadora.net

    Luiz Rufino Rodrigues Junior, Pedagogias das encruzilhadas, Revista Periferia, v.10, n.1, p. 71 – 88, Jan./Jun. 2018. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/view/31504/

    Antonio Lafuente: Elogio à sensorialidade da Cultura: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/elogio-a-sensorialidade-da-cultura/

    PARRA, H.Z.M.; CRUZ,L.; AMIEL, T.; MACHADO,J. Infraestruturas, Economia e Política Informacional: o Caso do Google Suite For Education. MEDIAÇÕES, Londrina, v. 23 n. 1, p. 63-99, Jan./un. 2018. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/32320/pdf

    Gigantes da tecnologia estão usando esta crise para colonizar o Estado: https://jacobin.com.br/2020/05/gigantes-da-tecnologia-estao-usando-esta-crise-para-colonizar-o-estado/

    Naomi Klein, Coronavírus pode construir uma distopia tecnológica: https://theintercept.com/2020/05/13/coronavirus-governador-nova-york-bilionarios-vigilancia/

    Giorgio Agamben: Réquiem para os estudantes: https://n-1edicoes.org/082

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  • ReSpirar: uma ciência dos contagiosamente vivos

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    Conversações Febris – 04 de junho de 2020 – 19hs.

    Mais um grupo de zap lotado de mensagens não lidas, outra página no facebook pra seguir, caixa de emails com 987 msgs não lidas, notificação de reunião agendada, duas lives imperdíveis no mesmo horário, recomendação de leitura enviada no grupo do trabalho, panela de pressão apitando, o meme sem graça enviado pelo colega, ninguém comentou a mensagem da convocatória do sindicato, celular sem espaço na memória, apagar rapidamente 2573 fotos, filha pede socorro pra entrar na sala virtual com a professora, impossivel abril o powerpoint enviado pelo chefe com as tarefas da semana. Nos solicitam para curtir, compartilhar, subir uma hashtag, assinar mais uma petição, ter uma opinião sobre a última polêmica, estar disponível, entrar em um novo grupo, nos mobilizar. Mais um jovem negro morto pela polícia, outra medida de precarização dos direitos aprovada pelo governo sem qualquer protesto, hoje 1048 mortos em decorrência do covid-19, uma reunião ministerial que nos faz entrever com assombro a transparência do funcionamento do poder.

    Tudo na mesma tela, na mesma superfície, no mesmo ambiente, a mesma topografia, com a mesma velocidade.

    \”Não posso respirar!\”
    A circulação da imagem de George Floyd, como um contra-feitiço, disparou uma onda inesperada de revolta nos EUA. Os corpos pretos são sensores de um mundo que não pode mais se sustentar, enunciam os caminhos de uma ciência de retomada e nos revelam a verdade da guerra em curso. \”Não posso respirar\” também contém as formas do possível, as imaginações de liberdade produzidas pela revolta contra os comandos do provável.
    Contagiosamente vivos.

    Saturação, esgotamento, asfixia. O que significa poder respirar?


    Neste momento, desejamos experimentar e investigar entre todxs uma dobra intensiva no percurso de habitar uma forma coletiva de pesquisa diante dessas muitas impossibilidades do encontro. Como, nessa condição de isolamento e de crescente mediação tecnológica, fabricar e sustentar novas alianças, inteligência e ação coletiva? Quais características (linguagens, sensibilidades, infraestruturas) devem estar presentes para sustentar uma conversação que é também um modo de conhecer?

    Foi preciso aguardar alguns dias após nosso último encontro para enviar uma nova mensagem. Criar um breve silêncio, desaturar, fazer vazar, deixar o corpo vibrar um pouco mais com as palavras, as mensagens, a revolta e todos os acontecimentos da semana.

    Como Laboratório de experimentação (ontoepistêmica e política) a Zona de Contágio vai adquirindo novos adensamentos e nos interpela sobre como seguir a investigação. Realizamos 3 encontros virtuais, criamos zonas de confluência entre linhas de investigação (ciência dos dispositivos e ciência de retomadas), compartilhamos produções, literaturas e começamos a estabelecer um vocabulário e sentidos compartilhados. Neste percurso um pequeno coletivo de pessoas, afetadas por questões intensificadas pelo acontecimento Covid-19 começou a fabricar novas alianças. Um \”laboratório do comum\” é inseparável da comunidade política transitória que emerge em torno de problemas comuns e das estratégias de luta que esses problemas provocam:

    1) Regimes de conhecimento (as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas, corpos como sensores);
    2) Regimes de poder que atualizam formas de controle; Biopoder-Biopolítica, dispositivos (novas formas de mobilização e desempenho, tecnologias de gênero e racializadoras/racistas, a relação entre a casa, o corpo, o prazer e a produção);
    3) Regimes tecnopolíticos e tecnoestéticos (a complexidade tecnosomática; dataficação, algoritmização da vida e novos modos de extração e trabalho; alteração nos modos de associação, desejos e individuações tecnomediadas);
    4) Transição societal e os limites do capitaloceno/plantationoceno/antropoceno (terra e o mundo vivo, relação entre viventes; extrativismo ampliado e formas cosmopolíticas de luta).

    Essas dimensões dão forma a um amplo programa de investigação que atravessa de diferentes formas as motivações e desejos dos praticantes do Laboratório Zona de Contágio. Com a experiência desta breve trajetória, sentimos que o momento nos convida a uma nova dobra que contribua para intensificarmos as conversações entre nós. Isso nos leva, imediatamente, a pensar sobre as próprias condições exigidas para essa investigação: um problema relativo ao desenho do laboratório.

    Em diversos espaços da vida, o isolamento físico e a crescente mediação das tecnologias de comunicação digital, radicalizaram uma mutação em curso. Há uma crise generalizada das formas de representação: nas dinâmicas de produção do real e verdadeiro; nas instituições das democracias representativas. Seja no âmbito no trabalho, em nossos coletivos políticos, nos espaços de ação institucional e familiar, sentimos um esgotamento da capacidade de produzir conhecimentos coletivos e sentidos compartilhados sobre o que nos passa e nos acontece. A própria arquitetura dos ambientes digitais nos agencia a emitir continuamente mais uma explicação, mais uma opinião, mais uma tomada de posição. Conversações implicadas, cumplicidades do pensamento e conspirações são mais raras. Estamos saturados de informações que produzem impotência, infelicidade e desorganização, bloqueiam a possibilidade da experiência, de sermos afetados pelo mundo.

    Com uma Ciência de retomada, deslocamo-nos do representacionismo para uma política experimental. A Zona de Contágio nasce nessa encruzilhada que não separa o modo de conhecer dos modos de existência que desejamos fazer prosperar. Um laboratório é também um lugar onde se fabricam coisas. No primeiro encontro esboçamos o problema de um possível protótipo: um dispositivo de pesquisa coletiva, um arranjo para uma conversação em tempos de pandemia, como sustentar e fazer reverberar uma prática? Como produzir um encontro entre corpos e pensamentos, desejos, intuições diante de um terreno esgotado, cansado e de poros obstruídos? Como produzir espaços para o ritmo, o contra-tempo em um mundo cada vez mais cibertecnomediado?

    Este meta-problema de investigação (desenho do laboratório) é um problema análogo àquele vivido em diferentes espaços da vida social (nos coletivos de trabalhadores, nas organizações sociais, em grupos ativistas etc). A crise de presença e a erosão das formas de vida em comum que agora sentimos de maneira radical é apenas um sintoma mais agudo do um modo de vida neoliberal que já vivíamos.

    Assim, imaginamos que uma boa maneira de experimentarmos a construção deste protótipo seria pensarmos sobre quais são as perguntas que nos implicam com aquele conjunto de problemas enunciados acima em 4 grandes eixos. Pensar sobre novas perguntas que nos interessam é também realizar uma cartografia-investigativa do Comum entre nós. Um percurso de investigação situada em nossa experiência contemporânea tecnomediada pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre as condições de emergência de novas subjetivações políticas e novas individuações coletivas, a começar pela própria Zona de Contágio.

    Próximo encontro: Conversações Febris – 04 de junho de 2020 – 19hs.

    Para esse ciclo sugerimos alguns textos inspiradores

    Partilhas sensíveis e essenciais em tempos pandêmicos [ou quando poderemos novamente ir ao teatro sem medo?], de Marina Guzzo: https://n-1edicoes.org/062

    “Voltar a nos entediar é a última aventura possível”: Amador Fernadez-Savater entrevista Franco Berardi, Bifo: https://vaporaovento.blogspot.com/2018/10/voltar-nos-entediar-e-ultima-aventura.html

    Economia psíquica dos algoritmos e laboratório de plataforma: mercado, ciência e modulação do comportamento. Fernanda Glória Bruno, Anna Carolina Franco Bentes, Paulo Faltay (PDF)
    http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/download/33095/19357

    O direito universal à respiração de Achille Mbembe: https://n-1edicoes.org/020