Tag: autogestão

  • Na Ingobernable: O projeto Buen Conhecer: os comuns contra o capitalismo cognitivo

    de Henrique Parra, publicado em: https://pimentalab.milharal.org/2017/08/11/el-proyecto-buen-conocer-los-comunes-contra-el-capitalismo-cognitivo/

    ***

    Graças ao convite de Javier de Rivera – editor da Revista Tecknokultura  e coordenador do Máster em Comunicação, Cultura e Cidadania Digital – pude acompanhar uma “Jueves Tecnopolíticas”, atividade promovida pelo Hacklab da Ingobernable.

    Este Hacklab está bem ativo no terceiro andar desta recente ocupação urbana. A Ingobernable surge da ocupação de um grande edifício público que estava a ponto de ser cedido para um empreendimento privado. Diversos coletivos de Madrid que atuam no campo dos Comuns Urbanos, tomaram o edifício que estava vazio há muitos anos para reivindicar um outro uso para este edifício. Sob autogestão passaram a realizar diversas atividades públicas no seu interior e a cuidar da manutenção do espaço . Tal ocupação gerou uma nova camada de tensões entre o governo municipal e diversas organizações e movimentos que estão num campo de alianças de base da atual gestão da prefeita Manuela Carmena, do Ahora Madrid.  Noutra ocasião, farei um post mais detalhado sobre essa experiência, pois ainda conheço muito pouco de sua experiência.

    Nesta quinta, acompanhei a apresentação e discussão “El proyecto Buen Conocer: Los comunes contra el capitalismo cognitivo“, conduzida por Daniel Vazquez, um dos principais realizadores do projeto Buen Conocer – FLOK Society no Equador. A iniciativa “Buen Conocer” foi desenvolvida durante o governo do Presidente Rafael Correa e visava criar estratégias de promoção do desenvolvimento nacional da economia social do conhecimento. No campo das políticas de educação, cultura, ciência e tecnologia, visava atacar as novas formas de expropriação de valor e transferência de riqueza promovidas através dos sistemas internacionais de propriedade intelectual, da hegemonia de infraestruturas de comunicação e softwares proprietários estrangeiros, bem como na área de produção de hardwares. O projeto parte de uma ampla pesquisa colaborativa que produz um diagnóstico sobre a economia do conhecimento no Equador e sua forma de inserção na economia global, procurando identificar formas de inversão e desenvolvimento local com base na filosofia do “buen conocer”. Em síntese, trata-se de identificar estratégias para a promoção de novas cadeias produtivas para o desenvolvimento local através do conhecimento livre, aberto e cooperativo aplicado às diversas fases da produção (desde a formação técnica-profissional até a produção e comercialização).

    A apresentação completa do Daniel está disponível aqui: Presentacion FLOK

    Um importante livro produzido pelo FLOK, sistematizando todo o percurso de investigação dos primeiros anos do projeto está disponível aqui: Livro FLOK

    Algumas imagens da atividade na Ingobernable aqui: Fotos

    PS: este post é parte da série de relatos que irei realizar durante o período de pós-doc em Madrid. Mais informações sobre o projeto atual: http://wiki.pimentalab.net/index.php?title=Projetos_Pesquisa

  • Back to Basic

    \"\"

    É curioso como neste novo momento de crise, entramos em contato com as memórias de outros períodos críticos da história. Diante de algumas situações nos últimos meses, tenho uma estranha sensação de que estamos passando por um novo giro na história, e como numa espiral algumas coisas parecem uma repetição. Porém, já estamos noutro lugar, tudo é diferente.

    Nessas rememorações tenho pensado muito do final dos anos 90. Governos neoliberais e suas políticas avançavam em toda parte, mas encontravam alguma resistência social. Quem se lembra das lutas contra a ALCA? Dos primeiros Forum Sociais Mundiais (antes de se tornarem uma grande feira)? Dos diversos movimentos sociais que se multiplicavam Brasil afora…Onde foi parar toda aquela energia?

    Naquele momento, a memória da derrocada da experiência soviética ainda era um tema na pauta, fala-se muito de crise sistêmica do capitalismo e proliferavam em toda parte iniciativas de economia social, autogestão econômica, cooperativismo, entre outras. Havia todo um debate sobre alternativas práticas ao capitalismo que curiosamente parece que perderam a força diante de governos que em toda America Latina executaram uma agenda paradoxalmente \”progressista\” (péssimo termo). Porém, ainda que silenciosamente, tudo aquilo segue sendo feito.

    Dentre esses reencontros que tive nos ultimos meses, um deles é com as discussões sobre autogestão, economia social/solidária, moedas alternativas. Tema com o qual estive muito envolvido e que por diversas razões fui me distanciando. Acho curioso ver como ele retorna agora. Seria apenas mais um sintoma da crise? E para mim, é aqui que este reencontro dá uma reviravolta interessante pois se recombina com outros temas com os quais estou envolvido hoje em dia. Mas o vocabulário agora é outro. Falamos em soberania tecnológica, produção do comum, tecnopolíticas, ecologia de práticas e saberes…

    Só para citar um exemplo. Recentemente, comecei a acompanhar a criação de um nó-regional da FairCoop (https://fair.coop). A discussão que eles fazem sobre moedas alternativas é bem interessante. Utilizam uma criptomoeda inspirada no bitcoin porém modificada por protocolos sociais que inserem a colaboração como variável na geração de valor. Há toda uma discussão ali sobre autonomia, autogestão, desenvolvimento local/comunitário, sustentabilidade, internacionalismo.

    Em seguida, vou atrás de alguns sites antigos e redes sociais abandonadas. Numa deriva no ciberespaço, como nos tempos em que a livre navegação era possível (quem se lembra que utilizavamos o termo \”navegar\” e éramos internautas, antes de virarmos usuários), encontro alguns grupos interessantes, como o bom e velho Znet (https://zcomm.org). Que emoção! Site simples, wordpress com cara de puro html.

    Fiquei me perguntando, será que os outros grupos ainda estão por aí? Os meios  de comunicação entre os movimentos que pegaram o início da internet transformaram-se drasticamente nesses ultimos 10 anos (o Youtube é de 2006!). Tivemos um processo paradoxal. De um lado a mulitiplicação dos canais (email, redes sociais, sms, whatsapp, telegram, e em cada um deles grupos e subgrupos) dando a impressão que construíamos um rizoma, com arquitetura distribuída. Mas não, era pura dispersão. De outro, novas camadas de hierarquização e centralização que modulam algoritmicamente toda nossa interação, submetida a critérios mercantis e à vigilância estatal e corporativa. É o capitalismo de vigilância (Shoshana Zuboff); a sociedade de controle (Deleuze)….enfim, formas renovadas de sujeição social e servidão maquínica.

    Ao invés de nos organizarmos de maneira distribuída, somos organizados em nossa aparente dispersão pela capacidade de centralização desses serviços. É incrível como o Facebook destrui nosso ecossistema digital. Pra ser sintético: o Facebook e todos os condomínios digitais correlatos, destruiram a internet como uma possível cidade cosmopolita. Essas corporações são hoje parte do nosso problema.

    Por fim, neste pequeno passeio fui me dando conta de tantas coisas, de tantos mundos que foram ficando para trás. Tal sensação é reforçada por todos os acontecimentos políticos de 2016 (golpe parlamentar etc), que de maneira muito direta chamaram nossa atenção para transformações profundas que estão ocorrendo em nossas sociedades muito abaixo do nosso radar. A barbárie é só o cotidiano mesmo. Mas é ai tambem que surgem as criações e as longas ondas com grande capacidade de propagação. Nos ultimos tempos, apenas ficou mais visível uma nova e assustadora topografia que estava sendo lentamente construída.

    Isso me faz pensar na cozinha, no trabalho de manutenção e sustentação da vida. Talvez, a tecnologia mais necessária neste momento seja mesmo as tecnologias organizacionais e toda a lentidão necessária para fazer comunidade, para produzir o comum em comum. Mas não o antigo comunitarismo, nem os comunismos e socialismos. Serão outras criações capazes de aprender com todas essas formas, e também com o capitalismo.

    Fico com uma sensação de \”back to basic\”. Não confundir com \”um retorno às bases\”. É outra coisa, é cuidar do básico mesmo, a começar pela capacidade do encontro com o outro. Quais são as infraestruturas que precisamos para dar suporte às formas de vida que desejamos?

    fonte do artigo: http://prototype.pimentalab.net/?p=187