Após lançarmos uma convocatória para pessoas interessadas em integrar um percurso coletivo de investigação sobre o acontecimento Covid_19, realizamos uma primeiro movimento de aproximação entre nós. Criamos uma lista de email; fizemos um encontro virtual entre os que haviam se inscrito na lista para conversar a partir de um texto, trocar experiências e algumas expectativas e convidamos as pessoas a reagirem às algumas proposições na forma de um produção livre que foi compartilhada no site da Zona de Contágio.
>> Para quem quiser ainda embarcar na investigação coletiva como praticante, mande um email para: conspire [@rrob@] tramadora.net
>> Para quem quiser apenas acompanhar o processo temos: lista de telegram: https://t.me/tramadora ; instagram: https://www.instagram.com/tramadora_lab/; Facebook: https://www.facebook.com/corpocontagio/ ; twitter: https://twitter.com/_tramadora
Quando pensamos numa prática de laboratório partimos de algumas referências que informam o desenho e as práticas desse laborátório. Ele não é uma noção abstrata ou indeterminada. Referimo-nos a uma certa arquitetura, uma ética-política, uma prática experimental, uma perspectiva ontoepistêmica: uma ciência implicada de uma pesquisa-luta. Elementos esses que esperamos explorar nesse percurso investigativo.
Diante do que experienciamos nessa última semana, a partir da momento em que a Zona de Contágio foi ativada pela presença e participação de muitos de vocês, consideramos importante olhar para o que emergiu e tramar os próximos passos dessa investigação. O momento nos convoca a indicar algumas delimitações para a investigação e também a sugerir alguns protocolos para nossa cooperação. Essa mensagem está dividida em 3 tópicos:
1. Bordas e confluências de um percurso de pesquisa – onde indicamos as questões gerais da pesquisa e indicamos um próximo passo de perguntas e atividades para a pesquisa.
2. Conversões febris – sugestão de bibliografia para o próximo encontro no dia 7 de maio, as 19:00hs.
3. Protocolo Investigativista: ensaio de um conjunto de princípios e acordos pra organizar as formas de participação e as condições de colaboração.
1. Bordas e confluências de um percurso de pesquisa
Todas nós estamos aqui por algo que nos toca; quase todas estamos também já inseridas em percursos de investigação. Carregamos experiências, corpos e desejos singulares, heterogêneos. O desafio do laboratório é constituir uma composição entre singularidades apontando, entretanto, para algumas zonas de confluência comum para que assim possamos, de fato, experimentar um encontro – uma ciência-dança de contato e improvisação. Para dar consistência a essas zonas de confluência sugerimos algumas ações temáticas nas quais podemos pensar juntas, investigar, nos fazer melhores perguntas.
De forma simples: propomos rodadas investigativas em torno de problemas comuns. A produção do material a cada rodada será um cruzamento entre experiências, percepções localizadas, intuições sobre o mundo no qual estamos implicadas em uma conversa com reflexões trazidas por textos e outros pensamentos. Ao fim de cada rodada, poderemos então visualizar a constelação de novos problemas que surgem, novas pistas, outras encruzilhadas.
A Zona de Contágio se constitui a partir de duas tramas de investigação: Ciência dos dispositivos; Ciência de Retomada.
Por um lado, gostaríamos de praticar uma \”ciência dos dispositivos\” atenta aos rastros das formas de poder e como ele organiza nossas vidas; dispositivos de desempenho, controle, biovigilância; os arranjos e mediações sociotécnicas que conduzem nossas condutas. Os dispositivos de governo que prometem nos \”salvar\” de nós mesmos e de nos livrar da possibilidade de pensarmos juntos o que fazer com as nossas vidas e corpos. Uma ciência dos dispositivos parte da constatação de que o poder não está dando ordens desde os lugares mais espetaculares e evidentes, mas ele, sobretudo, está \”fazendo funcionar\”: os corpos, desejos, as formas de nos relacionar. Aqui podemos pensar sobre a expansão do \”capitalismo de plataforma\” no acontecimento-Covid; das tecnologias educacionais aos inúmeros dispositivos que organizam nossas cidades, a circulação de mercadorias e alimentos; pensar quem são os teletrabalhadores, os circuitos do \”cognitariado\”, os intercâmbios entre ideias de \”livre iniciativa\” e \”empreendedorismo\” com os discursos da economia de \”startup\” e de \”inovação\”; a maneira reticular como as tecnologias digitais compõem e organizam a vida ordinária, contrabandeando e alimentando um racionalidade econômica e uma ordem política.
Na mesma trama, também queremos praticar uma \”ciência da retomada\”: \” É precisamente porque nossos corpos são os novos enclaves do biopoder e nossos apartamentos as novas células da biovigilância é que se torna mais urgente do que nunca inventar novas estratégias de emancipação cognitiva e resistência e lançar novos processos antagônicos. Ao contrário do que se possa imaginar, nossa saúde não virá da imposição de fronteiras ou separação, mas de um novo entendimento da comunidade com todos os seres vivos, de um novo equilíbrio com outros seres vivos do planeta.\”
Uma ciência de retomada pensa pelos saberes que nos foram expropriados. Como emerge nesse interstício e suspensão do mundo a percepção do Comum sequestrado – o que é (e pode ser) \”saúde coletiva\” e como essa \”volta ao corpo\” nos faz pensar sobre um mundo que já estava antes saturado por muitos lugares de asfixia? Como respirar juntos novamente? Um ciência que pense sobre o que pode ser retomado, tecnologias menores que potencialize nossa capacidade de agir e sentir o mundo vivo; formas não proprietárias, reapropriação das formas de reprodução da vida – da casa à infraestrutura urbana. Uma ciência que sustente formas de vida não-fascista e que investigue novos problemas porque não se contenta em apenas responder os problemas que nos colocam.
\”Si lo vemos bien, la biopolítica nunca ha tenido otro propósito: garantizar que nunca se constituyan mundos, técnicas, dramatizaciones compartidas, magias, en el seno de las cuales la crisis de la presencia pueda ser vencida, asumida, pueda devenir un centro de energía, una máquina de guerra\”.
Proposição: Nessa rodada, a zona de confluência investigativa se dará em torno da experiência temporal e dos sentidos da presença.
Queremos olhar para a ambiguidade presente no acontecimento Covid19 entre a suspensão do tempo, um respiro (a paragem brusca da qual falou Latour aqui: https://bit.ly/2SltcU4) e, por outro lado, uma experiência de tempo acelerado, asfixia, produzida pelos novos dispositivos de produtividade, desempenho, mobilização permanente. As fronteiras entre vida, prazer, trabalho encontram-se esfumaçadas. O tempo da domesticidade, aliás, é caracterizado pelo embaralhamento dessas fronteiras; os novos dispositivos do teletrabalho atuam também diante da nossa culpa civilizacional de experimentar o tempo livre; precisamos nos mostrar produtivos, disponíveis, enquanto as tecnologias digitais ampliam a mensurabilidade, o controle e a mobilização total de nossas vidas. A oferta ampla de entretenimento virtual parece querer nos salvar do desconforto do tempo suspenso e da catástrofe que estamos vivendo: \”Tenemos que escoger si queremos seguir siendo un terminal del algoritmo de la vida que organiza el mundo o bien un interruptor de la pesadilla que nos envuelve\”. O que significa \”parar\”? O que significa não poder parar, nunca? \” los lentos son perdedores!\”.
Como pensar a rivalidade entre desempenho e experiência, conexão e relação, sacrifícios individuais e o prazer do encontro como imagem da luta de classes no capitalismo contemporâneo?
Para essa primeira rodada, sugerimos também a companhia dos dois textos da próxima Conversação Febril (a seguir).
Novamente, sugerimos que o material seja publicado como \”comentário\” no post do site: https://www.tramadora.net/?p=1823 até o dia 7 de maio. Sugerimos o movimento de ler com atenção aos comentários de outras praticantes, talvez algo te convoque para novos lugares, talvez haja o desejo de comentar, iniciar uma conversa.
2. Conversações Febris: 7 de maio de 2020, conexão 19:00hs
*Amador Fernandez-Savater: La pesadilla de un mundo en red: https://rebelion.org/la-pesadilla-de-un-mundo-en-red/
*Ailton Krenak: Do tempo: https://n-1edicoes.org/038
3. Protocolo Investigativista (PIA)
Nessa experimentação, o próprio desenho do laboratório (infraestruturas, protocolos, métodos, documentos, artefatos etc) é parte da investigação. Encontrar a melhor forma de caminhar junto, de habitar problemas comuns e constituir um coletivo que sustente uma prática no tempo, exige muita mediação, cuidados, práticas e conhecimentos, uma verdadeira arte do pharmakon. Como evitar as práticas de pesquisa que convertem a participação em mecanismos de captura e extração? Como lidar com as armadilhas dos dispositivos autorais, sua economia e as divisões do trabalho que ela engendra? Como lidar com os regimes de propriedade, acesso e posse do conhecimento produzido? Muitos aqui estão habituados às iniciativas de colaboração, no campo científico ou artístico e sabem que essas perguntas não são triviais. A experiência indica que um boa estratégia para enfrentá-las é evitar os princípios abstratos e verificar na prática, caso a caso e de forma situada, qual é o desenho dos protocolos que desejamos estabelecer. Este protocolo de pesquisa coletiva também almeja atacar o problema de identidade e de fronteira que delimitam a Zona de Contágio: como evitar o fechamento identitário e bloquear a chegada do novo? Como manter a continuidade, o acúmulo das experiências, o reconhecimento e as mutualidades? Novamente, estamos diante de um problema das composições e pertencimentos, ligas e alianças. O Laboratório, nesse sentido, é também um experimento de uma tecnologia social de pertencimento. Desejamos conversar sobre este tema e vamos abrir uma página wiki pra edição colaborativa desse protocolo. Vamos publicar uma versão 1.0 e enviaremos outra mensagem com o link.