Link para a Conversação Febril – 10 de setembro às 19hs com o Uirá Garcia:
Nossa próxima conversação febril será com Uirá Garcia, professor e pesquisador da UNIFESP. Uirá abrirá uma conversa sobre sua experiência como professor negro na universidade perseguindo caminhos de vidência, desviando das imagens hiper-saturadas. Seguimos pensando sobre tecnopolíticas de retomada – o que pode ser a produção do conhecimento? Como podemos imaginar uma universidade habitada por multiplicidades, saberes , corpos e lutas contra-coloniais? Quais imagens de pensamento se abrem?
O cinema de vidência, para Deleuze, é aquele que nos dá a ver: nos permite ver o imponderado, o que hesita e excede. A vidência, para o filósofo, nos mostra “o tempo que sai dos eixos, e se apresenta em estado puro”; nos mostra \”a imagem inteira e sem metáfora, que faz surgir a coisa em si mesma, literalmente, em seu excesso de horror ou de beleza, em seu caráter radical ou injustificável, pois ela não tem mais de ser \’justificada\’, como bem ou como mal\” (DELEUZE, 1990, p. 31)
No próximo encontro (27/08), conversaremos com Lucas Keese e Valéria Macedo a partir das 19h
A Zona de Contágio vem se constituindo como um lugar de confluência entre pesquisadores e todes interessadxs na Guerra das Ciências, mas também nas lutas e práticas de conhecimento do mundo por vir. No próximo encontro vamos falar sobre saberes de retomada e produção de conhecimento terrano – pensar os enlaces entre territórios de autonomia e universidades, possíveis tecnologias do Comum que possam fazer frente ao novo regime de extração e reconfiguração do mundo após (e durante) o acontecimento pandêmico.
Se os regimes hegemônicos de produção de conhecimento, ciência e tecnologia e as configurações atuais de suas instituições (universidades e escolas) são parte do problema que hoje enfrentamos (crise ambiental, covid-19, as muitas formas de reprodução do colonialismo, racismo e desigualdades intensificadas por certos arranjos tecnopolíticos extrativistas); quais seriam então os desenhos possíveis de outros modos de conhecer (e suas instituições) que apontem para rotas de fuga do capitaloceno-plantationoceno e das formas renovadas de dominação e extração? Que tipo de conhecimento somos capazes de produzir na contramão do “realismo político” e das novas estratégias de controle possibilitadas pelo capitalismo do desastre e suas novas cercas e profilaxias? Como ativar, acompanhar e retomar as práticas do Comum, não proprietárias, que podem fazer frente às dinâmicas neocoloniais do \”screen new deal\” no plantationoceno diante da crise sanitária que finalmente nos faz constatar a indiscernibilidade entre \”ciências sociais\” e \”ciências naturais\” e os limites urgentes das nossas formas de vida? Como essa retomada pode também reconfigurar nossas agendas e institucionalidades de pesquisa, ensino e extensão perturbando as fronteiras das universidades e fazendo do conhecimento uma prática de encontros atravessada pelo mundo vivo?
\”A nossa avaliação é que, neste exato momento, estamos vivenciando uma das maiores possibilidades de um fim desse mundo eurocristão, monoteísta, colonialista e sintético. Esse mundo está chegando ao fim. Não é à toa que estamos vivendo esse desespero, essa grande confusão. Mas, por incrível que pareça, estamos vivendo também uma nova confluência\”
Conversações Febris – 13 de agosto, quinta-feira, as 19hs – LINK pra SALA.
Passadas algumas semanas de nosso ultimo encontro, queremos retomar a conversa para organizarmos um novo ciclo de atividades da Zona de Contagio a partir de agosto. As agendas já estão sendo engolidas pelo trabalho e demandas da vida. Urge sinalizar alguns horizontes de confluências pra que possamos abrir espaço para novos encontros.
Seguindo a disponibilidade inicial, pensamos em manter as quintas-feiras (19hs `as 21hs) como um momento de encontro para a realização de atividades e produções coletivas (conversações febris, entrevistas; produção audiovisual, podcast, leituras e estudos coletivos etc). Um período reservado para respirarmos juntos, trocarmos experiências e também experimentarmos outras linguagens na criação e produção de conhecimento.
Seguiremos investigando as questões que emergiram e que ganharam consistência em nosso percurso do semestre anterior; tramando nas encruzilhadas entre as ciências dos dispositivos e as ciências das retomadas. Nossa investigação também implica numa meta-investigação sobre as formas de pesquisa e coprodução de conhecimentos [uma síntese do percurso pode ser consultada aqui]
A Zona de Contágio pode se fazer como um experimento (um protótipo) de uma de rede de pesquisa entre as muitas experiências com que estamos implicadas; uma zona de confluência temporária entre as investigações e fazeres com que cada um aqui esta envolvido. Imaginar, inventar, conectar outros fazeres (ensino, pesquisa e extensão), modos de produção de conhecimento, ciências e tecnologias, alianças entre espaços educacionais formais e não formais, experimentações de linguagens, transbordamentos e produções contra-disciplinares.
Se os regimes hegemônicos de produção de conhecimento, ciência e tecnológica e a configurações atuais de suas instituições (universidades e escolas) são parte do problema que hoje enfrentamos (crise ambiental, covid-19, as muitas formas de reprodução do colonialismo, racismo e desigualdades); quais seriam então os desenhos possíveis de outros modos de conhecer (e suas instituições) que apontem para rotas de fuga do capitaloceno e das formas renovadas de dominação e exploração? Que tipo de conhecimento somos capazes de produzir na contramão do \”realismo político\” e das novas estratégias de controle?Onde aterrissar?
Para o próximo encontro (13 de agosto – 19hs) sugerimos uma experimentação especulativa na abertura de novos possíveis: Conversações Febris – 13 de agosto, quinta-feira, as 19hs – LINK pra SALA
*O que pode ser uma universidade terrana no tempo das catástrofes?
*O que pode ser uma aula?
Até lá receberemos materiais audiovisuais, textos, fotografias, audios que possam contribuir para inaugurar esse novo ciclo de conversas. Os materiais podem ser publicados diretamente como comentários neste post ou enviados para o email conspire [arroba] tramadora.net
Os CEOS das grandes corporações de TI nos dizem hoje que a sala de aula “perdeu o sentido” e que as relações educacionais podem ser muito mais eficientes quando inteiramente mediadas pelas plataformas digitais, já que trata-se de produzir e fazer movimentar o “capital humano”. Edufactory cibernética, a redução de formas de conhecimento em “produção e gestão de conteúdo”. No entanto, desejamos fazer outras perguntas, contar outras histórias. É preciso abrir uma conversa epocal sobre o que significa uma aula, quais os sentidos da presença no que se refere à produção de conhecimento e da ciência e os sentidos fortes da experiência e do encontro que atravessam as formas de criação e de conhecimento – para além das disputas pelas grandes Verdades. Qual é o papel da universidade e dos espaços de educação informal como zonas de sinérgicas de pensamento-luta, diante da corrosão absoluta dos sentidos democráticos que vivemos hoje? Como podemos nos apropriar de outras tecnicidades que intensifiquem a experiência ao invés de neutralizá-las?
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Sugerimos dois textos de inspiração para essa conversação febril:
Conversações Febris #6 – 2 de julho, quinta-feira as 19:00hs.
Nos cinco encontros realizados tecemos caminhos, investigamos juntas a possibilidade de retomarmos o ritmo nos interstícios algorítmicos de novas verdades tecnológicas. Experimentamos convocações de presença, a possibilidade de respirar juntos em um ambiente de muitas saturações, comandos e novas disciplinas. Criamos encontros, narrativas, escritas, vídeos, performances, diálogos intensos.
Fizemos isso a partir de duas coreografias de pensamento: ciência da retomada e ciência dos dispositivos, movimentos investigativos de atentar tanto para os saberes minoritários, das lutas e conspirações dos viventes como também para as novas formas do poder que nos conduzem e paralisam. Nessa trajetória, 4 grandes dimensões de analise foram emergindo como fios que ajudaram a tramar uma investigação selvagem: regimes de conhecimento; regimes de poder; regimes tecnopoliticos e tecnoesteticos; transição societal e os limites do antropoceno/capitaloceno/plantationoceno.
Em nosso ultimo encontro, entretanto, mergulhamos de forma mais detida numa reflexão sobre a educação (formal e informal), universidade, escola, tecnologias, praticas e saberes em luta diante das reconfigurações do presente e das intensificações provocadas pela pandemia covid-19. Sentimos que neste ultimo encontro foi possível articular aquela tessitura intelectual que vinhamos nutrindo com uma discussão mais aterrada nas experiencias vividas sobre problemas comuns que nos afetavam. Talvez porque estejamos todxs de alguma maneira envolvidos com atividades educacionais, de pesquisa e criação (formais ou informais) e porque sentimos coletivamente os limites de muitos desses espaços para responder à crise total que habitamos hoje.
Por isso tudo pensamos em uma continuidade para a Zona de Contágio que pode se fazer como um experimento (um protótipo) de uma de rede de pesquisa entre as muitas experiências e práticas com que estamos implicadas; uma zona de confluência temporária entre as investigações e fazeres com que cada um aqui esta envolvido. A partir das discussões anteriores e sob um guarda-chuva generoso (educação) que emergiu em nosso ultimo encontro, listamos algumas temas que sentimos ressoar nas produções e atuações dos participantes desse percurso:
educação, regimes de conhecimentos e práticas minoritárias; saberes das lutas; experimentos de Retomada; educação, modos de subjetivação, tecnologias; dispositivos de controle e (des)controle; mediações técnicas, tecnológicas e algoritmos; regimes de sensibilidade, percepção, sensação e modos de conhecer; ambiências e corpo, cidade, experiência X ambientes tecnomediados; campos experimentais de luta e direitos; práticas educacionais e ambientes/tecnologias digitais: o que pode ser uma aula? Quais universidades? pluriversidades? territórios de luta e de produção de conhecimento.
Imaginamos para o próximo semestre enveredar numa investigação coletiva entramada pelas praticas de cada um em torno de problemas confluentes. Nesta quinta-feira (02/07) gostaríamos de conversar sobre essa ideia e também sobre como realizá-la. Inicialmente, pensamos em seguir com encontros quinzenais neste mesmo dia/horário pra compartilharmos nossas experiências e também produzirmos coisas juntxs. Gostariamos de intensificar a documentação coletiva que já estamos praticando e quem sabe produzir um livro coletivo ao final do ano, sintetizando um tanto do que estamos criando e ainda vamos produzir durante o próximo semestre. A realização de podcasts, experimentações corpograficas, sonoras e audiovisuais também são desejadas!
Aguardamos vocês para mais uma conversação febril! Quinta-feira, 2 de julho as 19hs
para participar da sala de videoconf escreva para conspire [arroba] tramadora.net
\”Governar o comportamento de pessoas ou máquinas exige mecanismos de controle que assegurem a ordem, contrapondo a tendência à desorganização. A chave do governo (“conduzir a conduta”) é a informação. A informação é estatística por natureza e se organiza segundo as regras da probabilidade. Conhecer os padrões de conduta do presente nos permitirá predizer e guiar as ações futuras. A informação (já não o interesse) é a “linfa vital” da ordem cibernética. Portanto, a Hipótese Cibernética já não confia na racionalidade do indivíduo (muito imperfeito, limitado, ignorante de si mesmo), nem tampouco na tendência ao equilíbrio do conjunto (e sim, o contrário), senão que trabalha na construção deliberada e consciente de um novo entorno socia: um sistema-rede de nós transparentes, em conexão e desconexão permanente, organizado em torno da gestão ótima da informação. O capitalismo cibernético. O pesadelo\” (Amador Fernández-Savater – O pesadelo de um mundo em rede).
Quase três meses de confinamento – para alguns. Nesse pouco tempo, já vivemos uma reconfiguração tecnopolítica expressiva de nossas vidas. A expansão do teletrabalho, suas arquiteturas, disposições e ambientes atuam agora pelo regime TINA: there is no alternative. O teletrabalho nos exige provas de eficiência e sacrifício em longas jornadas como se tivéssemos que compensar o fato de que finalmente podemos ficar em casa. Estamos vendo agora, por muitos dispositivos, novas formas de medir, qualificar, avaliar – uma nova cidadania do desempenho que também é uma cidadania policial e gerencial: todos vigiam, todos denunciam, todos avaliam os “serviços” e dão sua nota, todos participam e se sentem convocados em “fazer sua parte”.
Rapidamente as plataformas corporativas de ensino vão conformando um novo debate sobre a relação entre ensino e aprendizagem, sobre distância, conectividade, novas imagens de aprendizado, dispositivos de metrificação, organização e gestão do trabalho, avaliação e produção relacionados ao ensino. Os debates em torno das tecnologias de ensino à distância reforçam a ideia de que teremos que nos adaptar ao novo regime sociotécnico mais \”eficiente\”, mais correto e que eliminaria os desperdícios – sem dar a devida atenção para o fato de que agora chamam de desperdício o que costumávamos chamar de experiência. Os CEOS das grandes corporações de TI nos dizem que a sala de aula \”perdeu o sentido\” e que as relações educacionais podem ser muito mais eficientes dessa forma já que trata-se de produzir e fazer movimentar o \”capital humano\”. Edufactory cibernética, a redução de formas de conhecimento em \”produção e gestão de conteúdo\”.
Estamos atordoados diante da nossa brutal incapacidade coletiva de pensar alternativas sociotécnicas que possibilitem autonomia, radicalização democrática ou uma forma de experiência que não seja a do desempenho, das muitas formas de avaliação, certificação, controle e modulação existencial. E essa paralisia é também uma crise de presença diante das novas urgências. Estamos diante de uma escolha infernal: aderir ou recusar.
No entanto, desejamos fazer outras perguntas. É preciso abrir uma conversa epocal sobre o que significa uma aula, quais os sentidos da presença no que se refere à produção de conhecimento e os sentidos fortes da experiência que atravessam as formas de criação e de conhecimento. Qual é o papel da universidade e dos espaços de educação formal, como espaços de encontros de pensamento-luta, diante da corrosão absoluta dos sentidos democráticos que vivemos hoje? Essa corrosão se produz desde um entrelaçamento entre os novíssimos modos de extração neoliberal-cibernético com formas muito antigas de racismo neocolonial. Muito da arquitetura tecnoalgorítmica de vigilância, comando, controle, mas também de desempenho e de eficiência tem a ver com esse entrelaçamento.
Como redesenhar a pesquisa, o ensino universitário e escolar para uma lógica da conjunção? Que arranjos acadêmicos, investigativos, pedagógicos e de convívio poderiam ativar uma fratura que permita “pular os muros” da lógica proprietária do conhecimento, mas cair longe deles? Como manter, por algo despertado na quarentena, nossa capacidade de decifrar os signos segundo o desejo, liberando espaço para a vibração do desejo-pesquisa, desejo-educação, desejo-arte, desejo-luta?
Contra-pedagogias da encruzilhada: Não uma recusa técnica, mas uma tecnopolítica que sustente formas de existência não-fascistas, não-binárias, emaranhadas. Como pensar a corrosão democrática a partir da aposta na disputa dos regimes de conhecimento – as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas que possam reconfigurar nossas arquiteturas e espaços de conhecimento?
Como escapar das escolhas infernais?
Para essa #5 Conversações Febris, dia 18 de junho as 19hs, sugerimos também algumas leituras pra inspirar essa conversa.
Link para transmissão:
para participar da sala de videoconf escreva para conspire [arroba] tramadora.net
Mais um grupo de zap lotado de mensagens não lidas, outra página no facebook pra seguir, caixa de emails com 987 msgs não lidas, notificação de reunião agendada, duas lives imperdíveis no mesmo horário, recomendação de leitura enviada no grupo do trabalho, panela de pressão apitando, o meme sem graça enviado pelo colega, ninguém comentou a mensagem da convocatória do sindicato, celular sem espaço na memória, apagar rapidamente 2573 fotos, filha pede socorro pra entrar na sala virtual com a professora, impossivel abril o powerpoint enviado pelo chefe com as tarefas da semana. Nos solicitam para curtir, compartilhar, subir uma hashtag, assinar mais uma petição, ter uma opinião sobre a última polêmica, estar disponível, entrar em um novo grupo, nos mobilizar. Mais um jovem negro morto pela polícia, outra medida de precarização dos direitos aprovada pelo governo sem qualquer protesto, hoje 1048 mortos em decorrência do covid-19, uma reunião ministerial que nos faz entrever com assombro a transparência do funcionamento do poder.
Tudo na mesma tela, na mesma superfície, no mesmo ambiente, a mesma topografia, com a mesma velocidade.
\”Não posso respirar!\” A circulação da imagem de George Floyd, como um contra-feitiço, disparou uma onda inesperada de revolta nos EUA. Os corpos pretos são sensores de um mundo que não pode mais se sustentar, enunciam os caminhos de uma ciência de retomada e nos revelam a verdade da guerra em curso. \”Não posso respirar\” também contém as formas do possível, as imaginações de liberdade produzidas pela revolta contra os comandos do provável. Contagiosamente vivos.
Saturação, esgotamento, asfixia. O que significa poder respirar?
Neste momento, desejamos experimentar e investigar entre todxs uma dobra intensiva no percurso de habitar uma forma coletiva de pesquisa diante dessas muitas impossibilidades do encontro. Como, nessa condição de isolamento e de crescente mediação tecnológica, fabricar e sustentar novas alianças, inteligência e ação coletiva? Quais características (linguagens, sensibilidades, infraestruturas) devem estar presentes para sustentar uma conversação que é também um modo de conhecer?
Foi preciso aguardar alguns dias após nosso último encontro para enviar uma nova mensagem. Criar um breve silêncio, desaturar, fazer vazar, deixar o corpo vibrar um pouco mais com as palavras, as mensagens, a revolta e todos os acontecimentos da semana.
Como Laboratório de experimentação (ontoepistêmica e política) a Zona de Contágio vai adquirindo novos adensamentos e nos interpela sobre como seguir a investigação. Realizamos 3 encontros virtuais, criamos zonas de confluência entre linhas de investigação (ciência dos dispositivos e ciência de retomadas), compartilhamos produções, literaturas e começamos a estabelecer um vocabulário e sentidos compartilhados. Neste percurso um pequeno coletivo de pessoas, afetadas por questões intensificadas pelo acontecimento Covid-19 começou a fabricar novas alianças. Um \”laboratório do comum\” é inseparável da comunidade política transitória que emerge em torno de problemas comuns e das estratégias de luta que esses problemas provocam:
1) Regimes de conhecimento (as disputas em relação à ciência, os saberes menores e não autorizados, as ontoepistemologias dos saberes das lutas, corpos como sensores); 2) Regimes de poder que atualizam formas de controle; Biopoder-Biopolítica, dispositivos (novas formas de mobilização e desempenho, tecnologias de gênero e racializadoras/racistas, a relação entre a casa, o corpo, o prazer e a produção); 3) Regimes tecnopolíticos e tecnoestéticos (a complexidade tecnosomática; dataficação, algoritmização da vida e novos modos de extração e trabalho; alteração nos modos de associação, desejos e individuações tecnomediadas); 4) Transição societal e os limites do capitaloceno/plantationoceno/antropoceno (terra e o mundo vivo, relação entre viventes; extrativismo ampliado e formas cosmopolíticas de luta).
Essas dimensões dão forma a um amplo programa de investigação que atravessa de diferentes formas as motivações e desejos dos praticantes do Laboratório Zona de Contágio. Com a experiência desta breve trajetória, sentimos que o momento nos convida a uma nova dobra que contribua para intensificarmos as conversações entre nós. Isso nos leva, imediatamente, a pensar sobre as próprias condições exigidas para essa investigação: um problema relativo ao desenho do laboratório.
Em diversos espaços da vida, o isolamento físico e a crescente mediação das tecnologias de comunicação digital, radicalizaram uma mutação em curso. Há uma crise generalizada das formas de representação: nas dinâmicas de produção do real e verdadeiro; nas instituições das democracias representativas. Seja no âmbito no trabalho, em nossos coletivos políticos, nos espaços de ação institucional e familiar, sentimos um esgotamento da capacidade de produzir conhecimentos coletivos e sentidos compartilhados sobre o que nos passa e nos acontece. A própria arquitetura dos ambientes digitais nos agencia a emitir continuamente mais uma explicação, mais uma opinião, mais uma tomada de posição. Conversações implicadas, cumplicidades do pensamento e conspirações são mais raras. Estamos saturados de informações que produzem impotência, infelicidade e desorganização, bloqueiam a possibilidade da experiência, de sermos afetados pelo mundo.
Com uma Ciência de retomada, deslocamo-nos do representacionismo para uma política experimental. A Zona de Contágio nasce nessa encruzilhada que não separa o modo de conhecer dos modos de existência que desejamos fazer prosperar. Um laboratório é também um lugar onde se fabricam coisas. No primeiro encontro esboçamos o problema de um possível protótipo: um dispositivo de pesquisa coletiva, um arranjo para uma conversação em tempos de pandemia, como sustentar e fazer reverberar uma prática? Como produzir um encontro entre corpos e pensamentos, desejos, intuições diante de um terreno esgotado, cansado e de poros obstruídos? Como produzir espaços para o ritmo, o contra-tempo em um mundo cada vez mais cibertecnomediado?
Este meta-problema de investigação (desenho do laboratório) é um problema análogo àquele vivido em diferentes espaços da vida social (nos coletivos de trabalhadores, nas organizações sociais, em grupos ativistas etc). A crise de presença e a erosão das formas de vida em comum que agora sentimos de maneira radical é apenas um sintoma mais agudo do um modo de vida neoliberal que já vivíamos.
Assim, imaginamos que uma boa maneira de experimentarmos a construção deste protótipo seria pensarmos sobre quais são as perguntas que nos implicam com aquele conjunto de problemas enunciados acima em 4 grandes eixos. Pensar sobre novas perguntas que nos interessam é também realizar uma cartografia-investigativa do Comum entre nós. Um percurso de investigação situada em nossa experiência contemporânea tecnomediada pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre as condições de emergência de novas subjetivações políticas e novas individuações coletivas, a começar pela própria Zona de Contágio.
Próximo encontro:Conversações Febris – 04 de junho de 2020 – 19hs.
Para esse ciclo sugerimos alguns textos inspiradores
Partilhas sensíveis e essenciais em tempos pandêmicos [ou quando poderemos novamente ir ao teatro sem medo?], de Marina Guzzo: https://n-1edicoes.org/062
Vídeo da segunda conversação-investigativa e febril que conta com muita coisa bonita já produzida entre nós. Silêncios, contra-tempo, respiros coreográficos, todo um ritmo que soubemos inventar na esquiva algorítmica.
A incandescência histórica tem a virtude de aumentar a legibilidade estratégica de uma época. Tiqqun
La cuestión suprema ya no es la extracción de plusvalía, sino el Control. El nivel de extracción de la propia plusvalía ya no indica sino el nivel de Control que es localmente su condición. El Capital ya no es sino un medio al servicio del Control generalizado. Y si aún existe un imperialismo de la mercancía, se hace sentir ante todo como imperialismo de los dispositivos; imperialismo que responde a una necesidad: la de la normalización transitiva de todas las situaciones . Tiqqun
Seguimos tramando zonas de confluências entre os fios de uma ciência dos dispositivos e uma ciência de retomada.
Para a próxima Conversação Febril (21/05 – 19hs) gostaríamos de dar mais atenção para o acontecimento covid-19 como um experimento de novas técnicas de controle. Cartografar os movimentos do poder que não mais restringe, constrange, impossibilita, mas atua fazendo funcionar: mobiliza, engaja e conduz. Dispositivos de desempenho nos exigem provas de eficiência e sacrifício em longas jornadas. Novas formas de medir, qualificar, avaliar – a cidadania sacrificial também é policial e gerencial: todos vigiam, todos denunciam, todos avaliam os \”serviços\” e dão sua nota, todos participam e se sentem convocados em \”fazer sua parte\”. A vida imersa dentro do trabalho, o trabalho como forma permanente de auto-empreendedorização, mobilização total, uma sociedade de \”capital humano\”, vida convertida em \”administração\” e concorrência.
Os detratores agora são os improdutivos, vagabundos, aqueles que não são eficientes o suficiente, irresponsáveis. Pílulas para dormir, pílulas para acordar, muitas formas de neutralizar os sintomas. Uma nova arquitetura algoritmizada funcionando para ordenar, permitir as \”melhores decisões\”, as \”melhores buscas\”, evitar os imprevistos, os excessos, os erros. Resultados, relatórios, multitarefas. Ninguém precisa sair de casa agora: está tudo aqui na nova paisagem doméstica-produtiva-reprodutiva e de consumo que se tornou o \”lar\”.
Nas universidades e escolas, tecnologias coorporativas mediando formas de aprendizagem e produzindo ambientes educacionais – o que é, de fato, uma \”aula\”? O que é, de fato, uma \”produção relevante\”? O que é, de fato, uma \”experiência\”? O que é, de fato, uma \”avaliação\”?
No chão da fábrica: trabalhadoras de saúde e suas tecnologias de cuidado e de guerrilha atuando pela desobediência, defendendo a saúde coletiva contra a necropolítica do Estado;
No chão da fábrica: escolas pensando sobre sua existência e reorganizando a possibilidade de uma comunidade escolar que está para além da sala de aula, mas acontece nessas práticas de cooperação, de viver junto, de sustentar um desejo coletivo atuando pela desobediência ao que ordena o Estado.
No chão da fábrica: os trabalhos mais mal-remunerados, mais precarizados, ligados aos cuidados são o que mais importam agora.
No chão da fábrica: as ruas da metrópole e os vagões lotados de ônibus e metrôs, os corpos pretos, precarizados, são os que habitam a zona do sacrifício e se deslocam para que a produção não seja interrompida, para que as infraestruturas permaneçam funcionando.
No chão de fábrica: constatamos que a família nuclear biológica heterossexual é o que amortece todo o colapso ao mesmo tempo que percebemos os limites de suas formas patriarcais, binárias, suas tecnologias de domesticação e controle que também fazem o gênero \”funcionar\”, \”desempenhar\”. Somos capazes de viver de outra forma?
O poder quer nos convencer que o \”desemprego mata mais do que a pandemia\” – no fundo, isso revela com total transparência o fato de que o trabalho se tornou uma chantagem e que a mobilização total é a única técnica de governo.
O medo do poder reside na nossa capacidade de poder viver sem ele: deponer los poderes que nos gobiernan coincide o tiende a coincidir con un hacer sin ellos, y viceversa.
Para adensar essa conversa gostaríamos de investigar, descrever e analisar coletivamente algumas manifestações e materializações dos dispositivos de controle em nossas vidas durante a pandemia. Como percebemos, sentimos e narramos o que se apresenta como atualização das formas de controle do trabalho, da vida, dos cuidados, das relações, dos afetos, dos corpos. Como funcionam esses mecanismos, suas solicitações, técnicas, formas de mensuração e avaliação? Como somos convidadas a nos criar, a fabricar um “eu” que funcione?
Nos primeiros meses de 2020, o Brasil e o mundo foram acometidos
pela pandemia do novo coronavírus. A intrusão viral fez surgir impulsos
múltiplos: negação da ciência, criação de falsos dualismos entre
manutenção da vida e economia, vigilância corporativa e entre pares,
cuidado coletivo, discussão sobre papel do estado, solidariedade,
desejos de explicação e temor foram apenas alguns dos sentimentos,
discursos e práticas que emergiram, e seguem vivos, nesse período.
Habitar o acontecimento covid-19 foi a vontade que motivou a convocação da Zona do Contágio,
um laboratório situado, de prática coletiva de uma ciência do risco,
espaço de convergência de saberes e atores sociais diversos, que deseja
mobilizar uma inteligência coletiva alternativa à vigilância e ao
controle.
“Com o acontecimento COVID-19, o Laboratório Zona de Contágio
instaura-se como um dispositivo de pesquisa e intervenção na medida em
que a produção coletiva de conhecimento sobre as atuais possibilidades
de fabricação de uma vida não-fascista torna-se urgente. Se o
fortalecimento de governos autoritários já era uma ameaça à vida comum, a
intrusão viral potencializa a disseminação de uma cultura imunitária e
securitária de contornos fascistas no tecido da própria vida social”,
descreve a convocatória.
Coordenado por Henrique Parra (Unifesp) e Alana Moraes (doutoranda no Museu Nacional – UFRJ), pesquisadores do Pimentalab – Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento – da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membros da Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits),
o Laboratório Zona de Contágio é uma iniciativa de confluências, um
híbrido do coletivo Tramadora, Projeto Laboratório do Comum do
Pimentalab/Unifesp e Lavits. O Laboratório recebe o apoio da
Lavits/Fundação Ford. A equipe da Zona de Contágio conta com a
colaboração da antropóloga Bru Pereira e da cientista social Jéssica
Paifer.
Através da internet, os pesquisadores convidaram a todos que se
sentissem interpelados pelas questões apresentadas a participar de um
percurso coletivo de investigação e de criação, formas de expressão
sobre o experienciado, fragmentos coletados do mundo, situações vividas,
sentidas, relatos, hesitações que ajudassem a estabelecer conversações
sobre a pandemia. Além disso, o laboratório promove um ciclo de leituras
e “Conversações Febris” online. O primeiro encontro, realizado no dia
23 de abril de 2020, discutiu o livro No tempo das catástrofes, da filósofa da ciência Isabelle Stengers.
Fernanda Bruno, pesquisadora do MediaLab.UFRJ
e membra da Lavits, entrevistou Henrique Parra e Alana Moraes sobre a
iniciativa. O diálogo está transcrito a seguir e integra o quarto
episódio da série Lavits_covid19: Pandemia, tecnologia e capitalismo de vigilância.
Diálogos com Alana Moraes, Henrique Parra e Fernanda Bruno
Fernanda Bruno: meu primeiro convite é que vocês apresentem brevemente a trajetória do Laboratório do Comum ao Zona do Contágio, e a partir daí começamos a conversa.
Henrique Parra: ano passado estávamos desenvolvendo o projeto Laboratório do Comum: tecnopolíticas, corpos e territórios,
focado em um conjunto de questões relacionadas às disputas no
território do Campos Elíseos, região central na cidade de São Paulo.
Estávamos observando um conjunto de reconfigurações nas formas de
exercício do poder – seja através das tecnologias digitais, mas também
em processos relacionados à gentrificação, à militarização, à
securitização da vida, atravessadas pelas formas de vida neoliberais – e
como isso está em tensão com as dinâmicas de vida existentes no
território.
A investigação também se debruça sobre o próprio desenho do
Laboratório. Como fazer uma pesquisa situada, coletiva e aberta, a
partir de um convite, uma convocatória aberta para pessoas interpeladas
por problemas comuns?
Desenvolvemos esse projeto ao longo de seis meses e, no início de
2020, ele teria uma nova fase, quando fomos atravessados pelo covid-19, o
que nos obrigou a repensar o cronograma de ações, mas ao mesmo tempo a
observar as questões que já se manifestavam no percurso anterior do
trabalho e que, em razão do coronavírus, ganham contornos mais intensos.
Como fazer pesquisa em tempos de pandemia?
Alana Moraes: o Laboratório do Comum e agora a Zona de
Contágio confluem nessa aposta epistêmica de convocar e insistir em uma
certa inteligência coletiva. É sempre um experimento de uma prática
científica que se pretende ao mesmo tempo aberta e coletiva. Então ela é
sempre precária por um lado, porque do ponto de vista institucional, de
algumas exigências acadêmicas, nós nos colocamos de uma maneira um
pouco mais livre. Ao mesmo tempo, essa instabilidade precisa ser o tempo
todo repensada, cuidada, sustentada de algum modo, ela só funciona a
partir de um engajamento entre todos.
Uma outra convergência importante e que a gente quer seguir
experimentando é essa ideia de uma transdisciplinaridade. Nossas
práticas acadêmicas foram se conformando em lugares muito especializados
e muito disciplinarizados. Então, a partir de uma chamada aberta, que
tem a ver com o território, com a vida no território, havia essa ideia
de que nós pudéssemos experimentar uma ciência que fosse mesmo
contradisciplinar, no sentido de que as questões que ela enuncia não são
propriamente da sociologia, ou da antropologia, ou da arquitetura e do
urbanismo, mas que seja uma esquina contradisciplinar.
Fernanda Bruno: a minha primeira questão tem a ver com essa
condição, com esse convite que vocês fazem, que é o de habitar o limite,
habitar uma certa zona de incerteza. Eu acho que no Lab do Comum já
tinha esse movimento, que se fazia, como destacou a Alana, a partir de
uma contradisciplinaridade, mas que também implicava um deslocamento
territorial, com a ocupação de espaços da cidade em que tradicionalmente
a universidade não estaria presente, ou não estaria presente de um
certo modo, que é o modo com que vocês seguem desejando habitar.
Então, me parece que já havia o desejo de habitar essa fronteira
entre a universidade, a rua, a cidade e o mundo, e agora essa fronteira
se desloca, se encerra um pouco nesse ambiente da casa, que é essa
célula individual, familiar e burguesa, onde a maioria dos
pesquisadores que estão na universidade agora habita quase que
integralmente. Vocês reinventam um movimento para retomar a própria vida
acadêmica, em um certo sentido, e também, de novo, a rua, a cidade, o
mundo. A contradisciplinaridade envolve também uma explosão de
fronteiras, que já estava presente no Lab do Comum, entre o próprio
saber acadêmico e os saberes que estão sendo produzidos pelas diversas
formas de habitar e viver a cidade.
A pergunta, enfim, é se vocês já têm algum germe de entendimento –
não de respostas, de explicações – do que é esse novo desenho do
laboratório que habita o limite de um outro modo. Uma coisa que acho
interessante é essa ideia de um laboratório que vai se fazendo, que é ao
mesmo tempo o ambiente onde se faz a pesquisa, se produz o pensamento,
mas ele também é objeto, no sentido de que vocês também estão tentando
entender ou desenhar o laboratório no próprio movimento de fazer a
pesquisa. Acho que isso mais do que nunca está presente.
Alana Moraes: eu queria voltar para uma questão que você
colocou no começo, Fernanda, que eu acho que também serve muito para a
gente pensar esse lugar de implosão das fronteiras, ou pelo menos para
gente experimentar um pouco mais essa suspensão das fronteiras
disciplinares, ainda que seja uma prática de pesquisa super difícil, que
nos exija o tempo todo um certo sentido de risco, de assumir esse risco
da suspensão de algumas bordas.
Mas esse risco do instável e do precário vem nos empurrando, desde o
Laboratório do Comum, a encontrar questões muito simples. As questões
com as quais a gente se depara, a partir desse encontro entre múltiplos e
heterogêneos saberes e corpos, são simples no sentido de que conseguem
enunciar problemas muito complexos, mas de um lugar reconhecível por
qual todos nós passamos.
Por exemplo, no Laboratório do Comum, a gente estava muito
interessado, inicialmente, em pesquisar esse tema das novas tecnologias
de vigilância, que hoje são muito presentes no território. Mas a gente
acabou se dando conta de que existia uma camada para além de todo o
arranjo técnico dos poderes que era o fato de as pessoas, nossos
vizinhos, desejarem ter uma câmera de vigilância nas suas casas. O fato é
que existe um certo desejo compartilhado de segurança, que é muito
simples, que é muito reconhecível para além de todo novo ordenamento
sociotécnico, pode ser constatado por qualquer um e no entanto ele nos
exige um esforço brutal de pesquisa e reflexão.
Ele faz a gente se perguntar o que significa vizinhança, o que
significa fazer um bairro, a partir de outros sentidos de pertencimento
que não seja esse da segurança. Esse problema, no fundo, a gente demorou
muito tempo pra chegar nele, mas ele é muito simples, né? Ele pode ser
compartilhado por qualquer pessoa que a gente encontrava em uma praça
quando estávamos fazendo um almoço aberto e coletivo. Encontrar essas
questões, que no fundo são questões simples, nos dizem sobre esse
encadeamento que está entre a casa, a rua, as relações de confiança, as
novas tecnologias e as novas mediações sociotécnicas.
Um desafio para a Zona de Contágio tem a ver com essa investigação
sobre como criar um desenho de uma pesquisa contradisciplinar; um
desenho que permita com que diversos saberes, experiências se contaminem
no processo de pesquisa coletiva, mas também tem muito a ver com essa
ideia persistente de encontrar esses lugares que são muito simples, mas
que também são os lugares em que se cruzam a casa, como uma tecnologia
da domesticidade, e essas novas mediações tecnológicas, o corpo, o que
entendemos como saúde coletiva. Esse lugar do cruzamento, da
encruzilhada, é um lugar importante nesse desenho agora do Laboratório
Zona de Contágio.
Henrique Parra: a situação que estamos vivendo evidencia um
conjunto de elementos relacionados ao funcionamento das infraestruturas
da vida ordinária, da vida cotidiana, que estão absolutamente
invisibilizadas, naturalizadas na paisagem.
Um elemento importante no desenho do laboratório é como criamos
estratégias de visibilização das infraestruturas da vida comum e que,
por diversas razões, tornam-se invisíveis à nossa percepção. Quando
experienciamos o acontecimento covid-19, surge de forma mais aguda uma
percepção sobre diversos mecanismos que participam da produção de
diversas assimetrias sobre, por exemplo, os nossos deslocamentos, as
infraestruturas de comunicação (qual a qualidade do meu acesso à
internet), como ficam as relações dentro da sua casa, a divisão do
trabalho, como a gente se alimenta, como trabalhamos, como cuidamos das
crianças, e tudo muito mediado pelas tecnologias digitais.
Se por um lado o acontecimento covid-19 permite uma intensificação,
um avanço dos mecanismos de produção de várias assimetrias de classe,
gênero, raça e de novas formas de controle, ao mesmo tempo a gente
consegue perceber esses elementos que estão inscritos na paisagem.
Outra dimensão importante do desenho do laboratório é tomar o ser
humano como sensor, um sensor de percepção que é sempre singular diante
do está sendo vivido. Partimos da ideia de um corpo-sensor. O corpo que
percebe, que sente e que produz a possibilidade de uma nova evidência,
um novo elemento que pode abrir ou instalar uma controvérsia sobre a
realidade.
Algo que nos atravessa a todos é a nova sensação e percepção de risco
e vulnerabilidade. A vulnerabilidade não como elemento negativo, da
falta ou da exclusão, mas como esse elemento que produz nossa
interdependência, e ao mesmo tempo que instala a possibilidade de ação
política a partir dessa vulnerabilidade, porque ela é reveladora da
nossa condição de interdependência na produção do comum.
Uma contraste teórico/político importante no desenho desse
laboratório é investigar como o acontecimento covid-19 instala uma
disputa em torno dos sentidos dessa experiência: por um lado temos as
enunciações, práticas e tecnologias que produzem um tipo de sujeito que
se imagina autônomo, autossuficiente, eficiente no trabalho, que só tem
uma “gripezinha”, versus outras possibilidades que sustentam uma
política do Comum, nossa condição de seres interdependentes (inclusive
com entes não-humanos) e de um risco comum.
Claro que as situações de risco são diferentes para cada um
(sobretudo numa sociedade altamente desigual em termos raciais, de
classe e gênero), mas a possibilidade de experienciar essa
vulnerabilidade como uma condição política permite interrogar a ideia do
indivíduo soberano, de cidadão que estão imunizado das relações com seu
entorno, em que o outro é visto como uma ameaça.
Fernanda Bruno: me parece que esse corpo-sensor passa a ser um
indicador ainda mais essencial. A conexão entre as formas de vida e as
possibilidades de pensar ganha uma nova urgência. Me parece que há
também uma outra vulnerabilidade: a pandemia muito rapidamente disparou
uma eloquência explicativa que, de alguma maneira, silenciava ou
resolvia muito rápido essa experiência de poder habitar essa zona de
incerteza por um tempo mais alargado, de uma forma um pouco distinta,
que vocês chamaram na convocatória de dimensão experiencial, que me
parece estar super conectada com esse corpo-sensor.
Agora eu gostaria de fazer uma outra associação, ainda sobre a
questão do risco e a dimensão da vulnerabilidade. Eu super me afino com a
ideia de pensar o risco não na chave ou contorno da atitude individual,
de uma prudência individual, tampouco de uma lógica securitária mais
ampla e coletiva, que pensa na segurança no sentido de uma eliminação do
risco e do perigo. Vocês estão trabalhando com a ideia da
vulnerabilidade como interdependência que supõe, também, suportar uma
certa margem de perigo, uma certa margem de risco.
Em vários momentos vocês falam em uma ciência do risco. Eu vou ler um
trechinho aqui sobre o qual me paira uma certa dúvida. Vocês dizem:
“uma ciência de risco é sempre uma ciência que hesita, uma ciência de
retomada de uma inteligência coletiva, que funciona apesar e contra os
chamamentos da pátria ou da grande ciência e seus regimes de autoridade e
de verdade”.
A provocação que eu queria fazer tem a ver com a “grande ciência” e
com esse momento singular que estamos vivendo. Se por um lado há essa
proposta de uma ciência do risco, nós (professores universitários)
estamos fazendo isso desde as nossas casas. Não estou sugerindo que não
deveríamos estar em casa, mas há um risco bem concreto que está sendo
vivido por muitas pessoas e também por parte da “grande ciência”, por
profissionais de saúde e pesquisadores que estão na linha de frente. Eu
fico me perguntando se essa oposição, nesse momento, não rateia um pouco
ou se ela não merece ser pensada com um pouco mais de cuidado.
Henrique Parra: você tem razão, não só com relação à “grande
ciência”, mas também com relação ao Estado. A provocação que a gente faz
não é contra a ciência. Não há “a grande ciência”, mas disputas em
torno dos modos de produção de verdades, em que, aparentemente, o que
está em jogo seria qual a evidência ou o dado “mais verdadeiro”. É um
debate que também se relaciona às discussões sobre fake news e pós-verdade.
A situação é que, diante de um mundo que parece desmoronar, onde as
versões não podem mais ser verificadas, há um movimento de tentar
restabelecer uma forma de produção de evidências, inclusive com a volta
de um argumento digamos, científico, como se as coisas passassem apenas
por uma questão de produção de informações ou evidências de melhor
qualidade, quando o que está em jogo, parece-nos, é uma guerra de
mundos.
Não é suficiente a gente falar em termos de dados e evidências. É
claro que elas são fundamentais para as tomadas de decisão, para
organizar a nossa ação no mundo, mas há uma preocupação em deslocar o
debate para além do falso e do verdadeiro, sair dessa dicotomia, e dizer
“olha, o que seriam as formas de produção de cuidado para a manutenção
da vida, para além do que está disponível como forma-Estado? (no sentido
de uma biopolítica maior)”.
Nós estamos em uma situação de absoluta urgência, de perceber o que
temos disponível como formas de resposta a um problema de saúde
coletiva. Precisamos muito de toda a estrutura e de políticas
fortalecimento da saúde pública. Não é suficiente entrar em uma
investigação que está simplesmente preocupada em produzir mais evidência
da mesma forma, mas pensar também que a forma de produção dessa
informação está, de alguma maneira, situada e implicada na produção de
mundos, de formas de vida. Do contrário, não somos capazes de comunicar
outra experiência de vida, de dizer ao outro como ele participa da
produção da saúde coletiva.
Quando pensamos no debate sobre a produção de conhecimento
científico, quais são as formas de produção de conhecimento científico,
diante dessa situação, que interrogam as formas hegemônicas de
conhecimento tecnocientífico orientados por normatividades econômicas e
políticas de caráter privatista, corporativo e mercadológico?
Observamos, nesse momento, o fortalecimento de formas de produção
colaborativa/aberta que confrontam inúmeras limitações relacionadas ao
regime proprietário-autoral, organizado em torno de uma concepção do
conhecimento como propriedade intelectual e mercadoria.
Alana Moraes: essa convocatória parte, de fato, de um lugar
bem irrigado de controvérsia. Por mais ataque e ameaças que a prática
científica esteja recebendo agora, e por mais que tenhamos que defender
essas práticas, não queremos abrir mão de olhar criticamente para alguns
enunciados de uma ciência que sempre se sustentou a partir de um
privilégio epistemológico, a partir dessa ideia de que o enunciado de
autoridade do fazer científico bastava para que os fatos científicos se
convertessem em verdade.
A gente está colocando um pouco em suspensão esse pressuposto para
tentar experimentar uma ideia aberta e engajada de fazer ciência. Então
não queremos abrir mão de fazer ciência, de pensar junto, de pensar uma
prática investigativa que produza conhecimento objetivo sobre a
realidade. Não tem a ver com uma luta da experiência contra a teoria.
Muito pelo contrário, a gente acha que esses dois lugares não são
opostos e não devem ser opostos. Queremos experimentar o que seria essa
prática científica que se sustente a partir das relações de implicação
que ela tem com o mundo, uma ciência que está no mundo.
Eu tenho dado um exemplo que tem a ver com o embate sobre isolamento
horizontal ou vertical. Muito do pensamento progressista tem respondido a
esse embate afirmando que o isolamento horizontal deve ser feito porque
ele é um fato científico e o isolamento vertical não é um fato
científico. No entanto, quando a gente defende o isolamento horizontal,
nós estamos defendendo porque ele pressupõe uma certa concepção de vida a
ser defendida, porque nos importa viver em companhia no mundo em que a
gente habita, porque ele contém uma ideia sobre o que é saúde coletiva.
Obviamente que ele é um fato científico, mas ele é um fato científico
que mais pode ter efetividade a partir do momento em que ele se mostra
em sua construção ética, a partir dos seus lugares de implicação.
Fernanda Bruno: quando vocês estavam falando, eu lembrei
daquele texto da Donna Haraway, que é uma inspiração para todos nós, dos
saberes localizados. Agora está muito ativa essa ideia de um saber que
pode responder pelo mundo que cria. É um pouco nesse sentido, me parece,
que você está falando, Alana. Para além da verdade científica, que
mundo a gente cria quando a gente propõe um determinado modelo de
controle epidemiológico?
Eu queria voltar um pouco no tema da vigilância e do controle, que
também aparece na chamada de vocês e está presente desde o Laboratório
do Comum. Estamos vendo como uma série de tecnologias de biovigilância
começam a entrar em obra. A minha pergunta é menos sobre elas e mais
sobre ao que você estão atentos nesse campo. Quais são as perguntas que
estão se fazendo? No que vocês estão prestando atenção nesse espectro
das tecnologias de vigilância, dentro do acontecimento covid-19?.
Henrique Parra: há alguns temas em que estou mais envolvido.
Um deles é sobre as práticas de educação tecnicamente mediada. Há uma
aceleração na adoção, por parte de secretarias estaduais da educação e
universidades (públicas e privadas), e na incorporação de tecnologias
digitais para a educação à distância. Elas são permeadas por inúmeros
problemas que estão relacionados à vigilância, à economia informacional,
a precarização do trabalho docente, etc. Como essas questões estão
presentes na Zona de Contágio, a partir da experiência de cada pessoa
com o conhecimento, a informação e a educação nessa situação de
isolamento?
Outro tema é sobre a relação das tecnologias de comunicação digital
com as formas de rastreabilidade, monitoramento, quantificação e o que
emerge como possibilidade de Big Data e governamentalidade
algorítmica. Há um enorme campo de perguntas que ganham novos contornos
porque, de certa medida, há um desejo, amparado na urgência sanitária,
de fazer uso de tudo que estiver disponível. Outra entrada é no universo
do trabalho: como as tecnologias do trabalho remoto introduzem novas
possibilidades de vigilância e controle sobre as atividades do
trabalhador?
Alana Moraes: retornando aos problemas das plataformas e das
mediações tecnológicas no que tem se chamado de “educação à distância”, o
que elas inserem de mais importante são novos sistemas de metrificação e
controle. Agora, para dar aula, você liga um cronômetro, muitas vezes
você grava a sua aula para deixar para os alunos que não puderem entrar online
no momento em que você está dando a aula. Você perde uma relação muito
importante no que diz respeito ao ensino e aprendizagem, que é relação
de confiança entre professor e aluno dentro daquele espaço da sala de
aula. As plataformas de EaD estão sendo inseridas como se não houvesse
outras formas possíveis, “temos que nos acostumar, daqui pra frente vai
ser assim”. A partir do momento em que você grava sua aula e ela circula
por lugares que você não sabe muito bem, esse pacto, essa confiança,
que tem a ver com essa experiência da sala de aula, ela se perde também.
Vemos ainda como o capitalismo da biovigilância é também o do
biodesempenho e como ele atua produzindo uma certa culpa pelo tempo fora
do trabalho. A gente está em casa, mas ao mesmo tempo em que está
culpado por não estar trabalhando do jeito que a gente deveria
trabalhar. Precisamos dar provas cotidianas de que não estamos
“aproveitando” o tempo livre.
Eu acho que tem um último aspecto que merece uma reflexão nossa, que é
pensar como habitar em companhia esse problema, que também é o outro
lado da moeda. Existe uma recusa por parte das pessoas que estão nesse
campo progressista, de modo geral, em debater o problema da tecnologia e
os seus usos. Uma recusa da esquerda de entrar nesse debate, como se
toda tecnologia fosse uma tecnologia predadora, que fosse sempre piorar
as experiências de aprendizagem ou intensificar a subjetivação
neoliberal. Outras vezes a esquerda se interessa por esse debate mas
sempre na chave da “resistência” e contenção, o que é importante, mas
nos deixa sempre muitas casas atrás.
Na verdade, acho que há toda uma questão que é como a gente pensa,
primeiro, as tecnologias para além das tecnologias digitais, como é que a
gente recupera as tecnologias menores (ou tecnologias de desaceleração,
tecnologias de encontro, tecnologias de pertença), pensar como a gente
pode produzir outros tipos de associação mais potentes das nossas
relações, das nossas experiências de aprendizagem e pesquisa, dos nossos
desejos de revolta se associando também às formas tecnológicas. Superar
essa recusa também vai ser importante para a gente construir caminhos
mais interessantes, disputar os rumos, fazer funcionar nossa
inteligência coletiva.
Henrique Parra: para complementar, um outro ponto que talvez
seja mais transversal nas discussões sobre vigilância e que ganha relevo
na experiência da Zona de Contágio, é poder pensar e investigar de que
maneira essa situação propicia um tipo de experiência tecnomediada em
que ocorre a produção de um modo de subjetivação, onde uma certa
experiência cultural de vigilância passa a participar de diferentes
instâncias da nossa vida.
Basta pensarmos no modo, por exemplo, com que passamos a olhar para o
outro como uma possível ameaça de contágio. Quais são os mecanismos que
passo a adotar para me proteger de um possível risco de contágio? Como
dentro da casa, na família, passamos a adotar procedimentos e protocolos
que podem gerar mais segurança?
Há uma certa ideia de segurança, de reações imunitárias que colocam
em movimento uma cultura de vigilância, que pode ser economicamente
vantajosa e politicamente eficiente para uma certa produção de mundo
(neoliberal, racista, machista, antropocêntrico, etc). Quando essas duas
dimensões se entrelaçam através de uma mediação tecnológica que se
apresenta como a solução neutra, mais “eficiente” e mais desejada, esse
dispositivo ganha muita força.
Preocupa a todos nós a maneira como a experiência de autoconfinamento
e do isolamento social nos prepara e educa para uma vida sob estado de
sítio. Acho que essa é uma condição muito transversal. Como, diante
disso, estamos a criar e experimentar outras formas de vida que,
orientadas por princípios de solidariedade e emancipação, criem linhas
de fuga da alimentação deste regime da dominação?
É muito interessante ver nas redes de consumo de alimentos, por
exemplo, como vão aparecendo outras iniciativas que criam novas cadeias
de distribuição para a produção da agricultura familiar, da produção do
MST. Como é possível fazer isso em outras áreas de nossas vidas,
utilizando tecnologias que não potencializam as formas de controle sobre
os usuários?
Fernanda Bruno: vou passar para a última questão, que tem a
ver com o coletivo, com o “nós”, o habitar junto esse acontecimento,
essa situação limite, e que é, de novo, um tema recorrente no trabalho
de vocês dois, e se torna absolutamente urgente em uma situação de
isolamento, ao mesmo tempo em que há grupos que estão extremamente
vulneráveis e onde as possibilidades de ação comum estão bastante
ameaçadas pelo fantasma do contágio e pelas medidas efetivas da
contenção da pandemia.
Hoje fiz uma contribuição no site da Zona de Contágio e vi que já há
um material bastante rico. Tem música, poesia, relato, fotografias, e
uma série de expressões da experiência desse tempo. E a conversa sobre o
livro da Isabelle Stengers, que rolou na semana passada, sobre o livro No Tempo das Catástrofes,
foi extremamente diversa. O fluxo da conversação febril tocou em muitos
temas: educação, China, autonomia, sabão de coco, moradia de albergues,
coletivos artísticos na Bolívia, receitas, acupuntura, tecnologias
sociais, poesia, etc.
Que primeira impressão vocês têm desses dois movimentos: a chamada de
envio de materiais em torno de experiência da pandemia e o grupo de
estudos? Gostaria de ouvir vocês sobre o primeiro contorno que esse
“nós” ou esse coletivo ganhou.
Alana Moraes: a nossa pergunta inicial, que tem sido uma
pergunta que acompanha todo o processo da investigação no Laboratório do
Comum e também agora na Zona de Contágio, é como constituir um grupo de
pesquisa. Como é que a gente faz esse “nós” que está pensando junto e
que está pesquisando junto. Esse é um tema que segue com a gente durante
todo o percurso. Obviamente que ele tem um risco, que pode ser a
própria dissolução do grupo. O risco justamente é esse, de ser tão
heterogêneo, tão particular e tão singular, que se torna incapaz de
construir um lugar mais estabilizado.
Pensando um pouco a partir desse desafio sobre que tipo de desenho de
pesquisa seria possível, a gente propôs um primeiro movimento, que
talvez seja um movimento de abertura total que começa assumindo o fato
de que toda produção de pensamento é também uma produção de experiência a
partir de corpos sensores. Queremos saber de que forma as pessoas estão
sendo afetadas por esse acontecimento e como elas elaboraram formas de
narrar esse acontecimento, seja em um forma mais poética, uma imagem, um
texto, um áudio…a gente está experimentando essa abertura completa.
A gente queria entender de onde as pessoas estavam falando e como
elas queriam falar, ou seja, talvez tentar experimentar esse parlamento
de corpos-sensores, que também é uma abertura radical. A partir de
agora, nos próximos movimentos do laboratório, o que a gente vai tentar é
justamente produzir certos contornos, algumas bordas, vamos dizer
assim, que são zonas de confluência.
Essas zonas de confluência vão tentar desenvolver temas que estão
dentro dessa pesquisa e que tem a ver com a biovigilância, com a ideia
do desempenho, com esse cruzamento entre tecnologias da domesticidade e
as tecnologias digitais em suas inúmeras formas de mediação, e tem a ver
com esse pano de fundo maior que é pensar o que significa isso de
biopolítica e de biopoder na situação como essa que a gente está
atravessando agora.
Henrique Parra: acho há um diálogo entre a experiência do
site, esse grupo de estudos e algumas iniciativas que foram lançadas de
maneira relativamente independente. É legal ver como a Zona de Contágio
vai acontecendo. Acho que a gente tinha algumas ações organizadas,
colocamos elas “na rua”, começamos a praticá-las e começamos a
visualizar como elas estão acontecendo e como elas podem criar linhas e
tramas entre elas.
No próprio site Zona de Contágio, o primeiro movimento que a gente
fez foi passar a publicar coisas que nos interessavam, ler e
compartilhar com outras pessoas, textos que já estavam em circulação,
textos que servem de inspiração e que, de alguma maneira, ajudam a
nortear um pouco a forma como a gente está querendo habitar esse
problema.
A gente tinha também uma vontade, que estava organizada para esse
semestre, que era fazer um ciclo de estudos, que estávamos chamando de
ciclo de estudos insurgentes. Com a Zona de Contágio virou um ciclo de
conversações febris, que a princípio poderia correr paralelo ao processo
de investigação, mas a medida que as coisas acontecem, nós repensamos. A
gente lança um texto para conversar, mas a coisa que acontece a partir
desse texto traz uma outra diversidade de debates, o que faz com que a
gente tenha um inflexão para ver como vai alinhando e tramando essas
coisas. É muito a partir do retorno que a gente recebe, que nós
compreendemos melhor a maneira como a gente está elaborando e e
comunicando um problema de pesquisa. O fato de que a gente tenha
recebido muitas respostas de pessoas que fizeram uma produção poética é
um dado importante.
A proposta de que um Laboratório do Comum deve ser permeada por um
conjunto heterogêneo de perspectivas é outro elemento importante. Claro
que quando a gente divulga algo pela internet, isso já exclui um monte
de gente. Claro que a maneira como escrevemos um texto faz com que
algumas pessoas se sintam mais interpeladas que outras. Ainda assim,
parece importante produzir um problema que possa ser transversal e
experimentar criar um espaço em que pessoas de diferentes perspectivas
possam estar juntas.
A partir daí surge um outro problema que é como a gente constitui um
coletivo de investigação e como que a gente vai criando protocolos,
infraestruturas, acordos, perguntas, que podem dar sustentação a uma
prática coletiva. Há uma preocupação na criação de um laboratório do
Comum, que é como que a gente desenvolve essas tecnologias de
pertencimento em torno de uma mesma prática, uma saber-fazer habitar.
Saber qual é o conjunto de perguntas e implicações que atravessam
essas diferentes histórias e interesses dessas pessoas, mas que podem,
gradualmente, ir ganhando um contorno que também nos interessa
(“interesse” como aquilo que diz respeito a “estar entre”. Então não é
que a gente não tenha perguntas que organizam isso. Temos e, de alguma
forma, elas participam da criação dessa borda.
Uma preocupação nossa, desde o início, em fazer uma chamada de
pesquisa que está acontecendo nessasituação de pandemia, em que as
pessoas estão em isolamento e parte dessa interação vai acontecer a
partir de uma mediação tecnológica, é como a gente evita uma certa
prática de pesquisa tecnicamente mediada, que é de ordem extrativista,
em que a gente elabora a pergunta, define os problemas e quer saber como
as pessoas estão dialogando com essa pergunta que a gente tem.
No fundo, a gente também está atrás da criação de outras perguntas,
outros problemas para olhar para essa situação. Evitar também uma
prática de uma pesquisa que desconhece ou não se relaciona com o
contexto dessa pessoa que está respondendo também nos parece importante.
Por isso que um ponto de partida na arquitetura do laboratório e na
ideia do corpo-sensor, é como criar uma infraestrutura de pertencimento.
Isso se tornar uma parte do problema da pesquisa, pensar como a gente
vai dando sustentação coletiva a uma prática de investigação. A ideia de
um Laboratório do Comum funda uma certa comunidade, não no sentido do
unitário e homogêneo mas no sentido de um coletivo de afetados por
aquelas mesmas questões.
Fernanda Bruno: essa questão do pertencimento me parece
essencial. Hoje, dando uma olhada nas contribuições enviadas ao site, vi
algo comum: me pareceu que quase todo mundo desejou expressar algo que
era da ordem de uma interrupção, um intervalo, uma brecha, algo que
estava fora das respostas imediatas que esse momento nos exige, seja de
trabalho, seja de pensamento articulado ou de segurança.
Me pareceu que estavam todos tentando expressar momentos de respiro,
de interrupção de um certo automatismo cotidiano ou de fuga dessa culpa
de não estar trabalhando, não estar produzindo. Capacidade de criação
mesmo. Tudo que apareceu ali, apareceu um pouco como brecha, respiros,
invenções dentro desse contexto que é muito asfixiante. Essa foi a minha
sensação e também o meu desejo. Não quis enviar nada que fosse, por
exemplo, uma reflexão intelectual que pudesse ser confundida com
trabalho, no sentido mais convencional, mas sim algo que escapasse das
demandas que estão colocadas, as demandas dos nossos aparatos de
trabalho, de saúde, de poder, de vigilância. Enfim, a impressão foi de
um tom recorrente, apesar da heterogeneidade dos materiais.
Henrique Parra: voltando um pouco nesse comentário que você
fez, acho que esse é um desafio dessa proposta de laboratório: como a
gente vai modulando e incorporando novos elementos. Uma coisa que chamou
atenção no perfil das pessoas que entraram em contato conosco é que
quase todas estão desenvolvendo, de alguma forma, ações de pesquisa,
seja de maneira informal ou não, mas elas estão interessadas, estão
praticando uma forma de reflexão sobre o que está sendo vivido.
Também surge para nós a pergunta sobre de que maneira a Zona de
Contágio pode ser tanto uma investigação coletiva, a partir de um
conjunto de questões que a gente constitui como borda desse percurso
mais coletivo de investigação, mas também uma zona de confluência entre
essas diferentes iniciativas de pesquisa (informal ou formal) que as
pessoas estão fazendo.
Estou imaginando como é que a Zona de Contágio pode ser as duas
coisas: ela cria a possibilidade de realizarmos o percurso coletivo de
investigação, a partir de perguntas que estão balizando e da
“arquitetura” da forma laboratório, mas ao mesmo tempo ela pode ser
atravessada pelas novas perguntas e investigações que as pessoas estão
criando e que podem compartilhar, fazendo da Zona de Contágio uma caixa
de reverberação.
Fernanda Bruno: esse atravessamento me pareceu acontecer mais
vigorosamente na conversa em torno do texto da Isabelle Stengers do que
na chamada. Na chamada, talvez tenha que haver uma segunda onda, novos
movimentos para que essa dimensão da pesquisa apareça mais. O que senti,
muito de fora, foi um desejo de fuga de um certo lugar da pesquisa. Não
da pesquisa em si, mas de um certo lugar de pesquisa.
As pessoas estão querendo habitar um outro lugar nesse momento e
alimentar outros fluxos de pensamento, de expressão, de narrativa etc. É
fundamental que esse cruzamento com a pesquisa, para usar a imagem da
encruzilhada que vocês utilizam também, seja feito. Vai ser muito rico
quando isso acontecer e vai acontecer, com certeza.
Alana Moraes: eu queria agradecer pela conversa. Achei muito
importante sua observação final desse primeiro material que a gente
recebeu na Zona de Contágio. Ela conflui muito para uma coisa que nós
estamos pensando juntos, que talvez seja justamente sobe pensar essas
tecnologias de frenagem ou como a gente produz infraestruturas que
possam sustentar coletivamente esses momentos de frenagem, esses
momentos de respiro.
Nos últimos anos eu tenho estudado com os sem-teto as ocupações de
terreno também como tecnopolíticas de habitar a exceção. Uma coisa que
aparece muito, nessa experiência, é como as pessoas chegam nos
acampamentos, nas periferias aqui de São Paulo, a partir desse relato de
cansaço e de esgotamento. As pessoas falam muito que a ocupação é um
lugar de descanso, um descanso da casa, da domesticidade, mas um lugar
de descanso em relação ao trabalho, às virações, à essa ideia de que
você tem que estar sempre trabalhando ou procurando um trabalho. Ela se
torna potente justamente porque ela se constitui como uma tecnologia de
frenagem, de respirar junto e de pensar em companhia.
Série Lavits_Covid19
A Lavits_Covid19: Pandemia, tecnologia e capitalismo de vigilância é um exercício de reflexão sobre as respostas tecnológicas, sociais e políticas que vêm sendo dadas à pandemia do novo coronavírus, com especial atenção aos processos de controle e vigilância. Tais respostas levantam problemas que se furtam a saídas simples. A série nos convoca a reinventar ideias, corpos e conexões em tempos de pandemia.
Seguindo nosso percurso nessa trama entre investigações e conversações, abrimos mais um espaço de troca para habitarmos em companhia os limites destes tempos.
A segunda Conversação Febril se dará no dia 7 de maio, 19h. Pelos links:
Nessa conversa, queremos olhar para a ambiguidade presente no acontecimento Covid-19 entre a suspensão do tempo, um respiro (a paragem brusca da qual falou Latour aqui: https://bit.ly/2SltcU4) e, por outro lado, uma experiência de tempo acelerado, asfixia, produzida pelos novos dispositivos de produtividade, desempenho, mobilização permanente na reacomodação do capitalismo.
As fronteiras entre vida, prazer, trabalho encontram-se esfumaçadas. O tempo da domesticidade, aliás, é caracterizado pelo embaralhamento dessas fronteiras; os novos dispositivos do teletrabalho atuam também diante da nossa culpa civilizacional de experimentar o tempo livre; precisamos nos mostrar produtivos, disponíveis, enquanto as tecnologias digitais ampliam a mensurabilidade, o controle e a mobilização total de nossas vidas. A oferta ampla de entretenimento virtual parece querer nos salvar do desconforto do tempo suspenso e da catástrofe que estamos vivendo: “Tenemos que escoger si queremos seguir siendo un terminal del algoritmo de la vida que organiza el mundo o bien un interruptor de la pesadilla que nos envuelve”. O que significa “parar”? O que significa não poder parar, nunca? ” los lentos son perdedores!”.
Como pensar a rivalidade entre desempenho e experiência, conexão e relação, sacrifícios individuais e o prazer do encontro como imagem da luta de classes no capitalismo contemporâneo?
Sugerimos também a companhia dos dois textos para essa Conversação Febril (a seguir).